quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Virgens Negras



«As estátuas das Virgens negras só diferem das Virgens brancas pelo tom negro ou acastanhado que dá cor a uma mulher de raça branca que apresenta o seu menino. As Véspera da Santa Virgem iniciam-se por estas palavras enigmáticas: "Eu sou negra mas bela, por isso o Rei me amou e introduziu no lugar do seu repouso." As estátuas das Virgens Negras diferem das outras representações, pois nelas a virgem apresenta sempre o Menino, enquanto as Deusas Mães são representadas em estado de de gestação.



(...) Essas imagens encontram-se frequentemente no interior da terra, "sob a terra", numa cripta, o lugar mais hermético, o mais secreto mas também o mais sagrado.



(...) Contrariamente às Deusas Mães de seios volumosos e ventres ricos de vida, as Virgens negras são elegantes e esbeltas, de cara expressiva, mas com a particularidade de terem grandes mãos, as da divindade.»

Jean-Pierre Bayard
in Déesses mères et Vierges noires

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Notas sobre a Origem do Druidismo por Lewis Spence



"(...) o druidismo não era uma religião de origem celta, mas sim ibérica. Os  Iberos, que parecem tê-la instituído (...), eram descendentes directos dos Azilenses, uma das vagas de imigrantes atlantes, pelo que parece mais do que provável que o druidismo fosse a última fase de uma religião atlante importada. Sabemos que também era praticado em Espanha e nas Ilhas Canárias, os últimos vestígios territoriais da Atlântida.

A doutrina druídica de Abred, que alude ao mais interior dos três círculos concêntricos que representavam a totalidade do ser na cosmogonia druídica, tem sido entendida por algumas autoridades como uma referência à doutrina pitagórica, mas na realidade é muito diferente dessa doutrina. Os druidas acreditavam que existia um Elísio no Oeste, o que aponta mais uma vez para uma origem atlante e não grega da sua fé.

O relato de Platão parece conter uma memória muito clara da invasão azilense ou proto-ibérica da Europa, a partir do território atlântico. Ele diz-nos que os Atlantes já tinham possessões na Europa antes da invasão e da catástrofe e os factos da arqueologia parecem confirmar o seu testemunho."

Lewis Spence
in "História da Atlântida"

"Ísis - A Grande Mãe"




"Eu sou a mãe da natureza inteira, mestra de todos os elementos, origem e princípio dos séculos, divindade suprema, rainha dos mares, primeira entre os habitantes do céu, os sopros salutares do mar, os silêncios desolados dos infernos, sou eu que governo tudo de acordo com a minha vontade.

Potência única, o mundo inteiro reverencia-me sob numerosas formas, com ditos diversos, sob vários nomes.

Uns chamam-me Juno, outros Belone, estes Rhamnusia, aqueles Hecate. Mas os povos das duas Etiópias e os Egípcios, poderosos pelo seu antigo saber, honram-me com o culto que me é próprio e chamam-me pelo meu verdadeiro nome: rainha Ísis."

Lucius Apuleius
in Metamorfosis (séc. II d.C.)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

"Manual Prático de Radiestesia" - Bill Cox


Manual Prático de Radiestesia
Bill Cox
Zéfiro, Portugal

"Agulhas de Pedra - A Acupunctura da Terra" - Tom Graves



Agulhas de Pedra - A Acupunctura da Terra
Tom Graves
Zéfiro, Portugal

"Antas e Menires" - J. Alexandre Cotta



 
    Segundo os historiadores os Menires e as Antas ou Dólmenes são construções do período neolítico e calcolítico. O Menir é um megálito (pedra grande), uma coluna erguida em direcção ao céu. A Anta é igualmente urna construção megalítica formada por pedras colocadas na vertical, formando urna câmara circular, sobre a qual assenta uma laje. Baseados no que foi encontrado, os arqueólogos referem que as Antas eram monumentos funerários. Quanto aos Menires não há grande informação sobre para que serviam, admitindo-se estarem relacionados com o simbolismo da vitalidade devido à sua forma fálica e à fecundidade da terra.
Com o intuito de os estudar sob o ponto de vista das suas características energéticas e de localização, desloquei-me recentemente ao Alentejo com os nossos amigos Paulo Alexandre Loução e Ana Isabel Vieira, investigadores das profundas raízes lusitanas. Paulo Loução é o autor dos livros Os Templários na Formação de Portugal, Portugal Terra de Mistérios, A Descoberta do Brasil, A Viagem de Vasco da Gama e O Espírito dos Descobrimentos Portugueses da Editora Ésquilo de que a todos vivamente recomendo a leitura. No seu mais recente livro intitulado A Alma Secreta de Portugal há um capítulo, ilustrado, dedicado à pesquisa que efectuamos.
Interessa-nos fundamentalmente verificar se os Menires e as Antas apresentam características semelhantes, principalmente no que diz respeito à sua localização em relação a: cursos de água subterrânea, rede global (Hartmann), rede diagonal (Curry), equilíbrio cosmo-telúrico, vórtices, polaridades, taxas vibratórias, raios fundamentais e outros critérios de análise.
Sinto que estas construções eram, e em alguns casos ainda são, multi-funcionais, a diferentes níveis. Fundamento-me no que consigo detectar através da pesquisa radiestésica. Assim, em minha opinião, quer as Antas quer os Menires destinar-se-iam a ser:
- Locais de iniciação coletiva relacionadas com a preparação para a vida e para a morte em ambientes de perfeito equilíbrio cosmo-telúrico.
- Locais de encontro, de populações dispersas, de acordo com os ciclos de sementeira, colheita, reprodução ou das fases da Lua, eclipses, e outros fenómenos astronómicos.
- Locais favoráveis, à domesticação e crescimento de animais, à caça ou ao crescimento de plantas alimentares e medicinais.
- Como refere a arqueo-astronomia, também conhecida por astro-arqueologia, não é de afastar a possibilidade das suas localizações (dentro de certas áreas) reflectirem no solo as estrelas que formam constelações no céu.
Especificamente, as Antas destinar-se-iam a ser:
- Locais rituais de "passagem", portas ou telas que separam a vida da morte. Poderiam perfeitamente ser lugares de morte "assistida" bem como de nascimento fisico (partos) pela sua configuração protectora, circular, em que na parte central encontramos espaços completamente livres de factores perturbadores. Detectamos a presença de verde negativo, uma fortíssima frequência que, como factor isolado (o que não é o caso da anta) pode provocar efeitos muito nefastos a nível celular.
- Indicadores, através dos seus eixos cardeais, da posição precisa do Sol e/ou da Lua em Equinócios e/ou Solstícios.
- Locais de culto à Mãe Natureza, relacionados com o elemento água. A própria confluência de vários veios de água subterrânea (que contornam mas não atravessam a anta) num ponto à frente da sua entrada, podia servir como fonte de abastecimento de água principalmente quando os veios se encontram a pequena profundidade.

 
Especificamente, os Menires destinar-se-iam a ser:
- Como que sinalizadores de lugares sagrados. As elevadas taxas vibratórias assim o indicam.
- Sob o ponto de vista involutivo: fixadores de consciência para aceleração da penetração do espírito na matéria com o consequente aumento de sensibilidade.
- Sob o ponto de vista evolutivo: intensificadores de percepção psíquica para resolução de necessidades colectivas.
- Locais relacionados com a agricultura, com o gado e com o elemento terra. Os Menires são antenas emissoras que desenvolvem uma acção contínua e vitalizante sobre o meio ambiente. Ao contrário das Antas, os Menires concentram em si vários factores como veios de água subterrânea e cruzamentos das redes. Por força dessa concentração, as malhas das redes Hartmann e Curry são aí menores que o normal. No menir que estudamos foi possível verificar que o mesmo se encontra a cerca de um metro do ponto de confluência dos factores, ou seja do seu local original. Concluímos que quando foi levantado em 1964 deve ter sofrido um deslizarnento que apesar de pequeno é importante uma vez que reduz todo o seu potencial.
Portugal tem, dentro da Península Ibérica, uma quantidade de antas e menires muito importantes. Com a excepção nítida da Galiza e algumas faixas costeiras de Espanha (a norte e a sul) eles cobrem a totalidade do território nacional. Dir-se-ia que os limites de Portugal há muito já estavam marcados por essas construções!
É para nós dificil imaginar que os construtores das Antas e Menires tenham sido os homens primitivos a que normalmente se associa o período neolítico. Estas construções revelam precisamente o contrário. Embora sejam estruturas arquitectónicas simples, mas variadas, os locais onde foram levantados mostram um padrão constante e elaborado que não pode ser obra do acaso. Quem os edificou tinha necessariamente conhecimentos que hoje se ignoram. Então a questão que se coloca é: ou essas construções são muito mais antigas do alguma vez foi imaginado ou teremos de rever conceitos da pré-história dados como adquiridos.
A possibilidade do equívoco histórico foi bem caracterizada por lbrahim Karim. Diz ele que se a humanidade daqui a 10.000 anos desconhecer o que seja a electricidade (porque entretanto foram descobertas outras formas de energia e a electricidade abandonada), os arqueólogos da altura dirão que por volta do século XX D. C. havia deuses comuns em toda a Terra, que a humanidade adorava em suas casas e cujos nomes mais conhecidos eram: Sony, Grundig Panasonic e Philips...
Christopher Bird e Peter Tompkins autores do livro The Secret Life of Plants mostram que certas experiências com plantas só se verificam se o experimentador se encontrar em determinados estados psíquico/emocionais. Recentes experiências na área da Física Quântica vão no mesmo sentido. O que é isto quer dizer? No que se refere às Antas, Menires, Cromeleques (agrupamentos de menires dispostos em círculo) e Alinhamentos (grupo de menires organizados em linha recta) o estado em que nos encontramos é determinante, ou seja, se nesses monumentos só sentirmos que estamos diante de um conjunto de pedras, então elas reagirão em conformidade: serão somente pedras, tão "brutas" e fechadas quanto os observadores. Se, no entanto, interagirmos com elas, com respeito e consideração (semelhante ao que os xamãs de todo o mundo têm para com a natureza e o que consideram sagrado) então essas mesmas pedras começam a "falar", a revelar os seus segredos e inclusive a ajudar-nos, se para tal forem solicitadas (cumprindo, naturalmente, uma das funções para que foram construídas).
Bill Cox, quando esteve em Portugal em 2001, referiu-nos a possibilidade de, através da Psicometria, poderem ser lidas impressões sobre contecimentos passados que estão gravadas em objectos e pedras. Como é possível? De um lado temos a capacidade de registo do silício (que utilizamos todos os dias nos computadores, relógios ou chips dos cartões bancários). Do outro lado está a sensibilidade do operador. Porque contêm silício, as pedras são como que gigantescas bases de dados que registam tudo o que presenciaram ao longo do tempo. Podemos dizer que uma nova ciência está a surgir através do desenvolvimento da sensibilidade psíquica. Também aqui a Radiestesia dá o seu contributo.
Vimos em antas e menires sinais de violação (grafites e restos de rituais de magia) mas também tivemos oportunidade de ver autênticos santuários naturais, felizmente protegidos e "invisíveis" aos olhos do materialismo actual. Tal como na lenda, o Galo, apesar de degolado, continua a cantar, anunciando a aurora...
Porque será que tantas igrejas antigas foram edificadas em lugares megalíticos?
Como bem observou o Paulo Loução, que ligação poderá haver entre os Menires e os Pelourinhos? Ou os Obeliscos? pergunto eu.
Se há quem, actualmente, utilize pequenos menires para funções de harmonização ambiental, será ambição exagerada fazermos o mesmo para esse e outros fms? Se há quem, há muito, utilize a Radiestesia na pesquisa arqueológica, será demasiada ousadia tentarmos o mesmo em Portugal? 
 

 
    Por tudo o que aqui foi dito, era importante que mais radiestesistas pesquisassem, no terreno, de forma sistemática, as antigas construções. São legados em pedra de um valor incalculável que tanto ajudaram no passado como o podem fazer agora. O que cada um vier a descobrir será ou não coincidente, mas o mais importante é abrir caminhos, pistas de investigação, que contribuam à aproximação da arte e da ciência para beneficio espiritual da humanidade.

J. Alexandre CottaPublicado no Raio Solar nº6 – Outono 2002 (Jornal da Associação Cultural Radiestesia Lusitaniae - correio-e: rlusitaniae@mail.telepac.pt  -Fonte: Lusophia

Os Instrumentos da Navegação Mística - La Nef d´Or

Os Instrumentos da Navegação Mística



por
La Nef d'Or
 

nefdor@bldt.net
Tradução por
Ana Rita Borges



Era uma vez um jovem rapaz a quem se tinha oferecido, na sua mais tenra idade, um veleiro. Ele não hesitou, nem por um segundo, em meter a sua embarcação na água e pôr-se a bordo. Aí descobriu os primeiros elementos da navegação: a água e as suas correntes, o vento e as suas rajadas e, sobretudo, o comportamento da sua nau entre os dois.
Ele aprendeu a governá-la: a dirigir, a manter a proa determinando um sinal de referência na costa, a virar o bordo e a pôr à capa (1).
O nosso jovem, que tinha crescido, disse a si próprio, num belo dia, que era tempo de ir mais longe, de alargar o seu próprio horizonte. E partiu, dizendo-se que nada de humano lhe seria estranho!
Em mar alto, o vento tornava-se, por vezes, mais poderoso que o normal, conduzindo a nau a grande velocidade, e era preciso prestar particularmente atenção à regulação das escotas (2), este cordame (3) que permite orientar a vela puxando com mais ou menos força a parte de cima. Regular as escotas, regular a sua escuta interior, estar à escuta dos outros, das suas necessidades, e servir... ao longo de toda esta viagem.
Enquanto uma vaga mais forte do que as outras se abate sobre a coberta (4) do navio, o nosso jovem toma consciência de que não pode continuar a navegar como antes: depressa os sinais de referência da costa diminuem a olhos vistos!
Então, ele explora a cabina do capitão, pois sabe que tudo está lá... tudo está lá, à disposição. Aí descobre vários instrumentos e livros usados. Começa a ler, a manejar os instrumentos, a compreender a sua utilidade e a sua utilização.
Entre os livros, encontra aí um cujas páginas são virgens, na com uma inscrição na capa: “Diário de Bordo”. Decide anotar nele os acontecimentos marcantes das suas viagens, os seus progressos na utilização dos novos instrumentos, as suas interrogações e as suas reflexões. Assim, a releitura deste livro poderá trazer-lhe novos elementos de compreensão sobre a maneira de navegar.
O primeiro instrumento de que toma conhecimento é uma bússola.
Ela contém uma agulha magnética, que se orienta segundo as linhas do campo magnético da Terra, e indica o Norte. Ela gira sobre um mostrador chamado rosa dos ventos, sobre o qual são inscritas as direcções dos quatro ponto cardinais, Norte, Este, Sul e Oeste. A bússola apresenta-se também sob a forma de um compasso do mar, quando ela tem mais liberdade de movimento.
Antes de poder ler a direcção do Norte e o rumo seguido, é necessário deixar a agulha estabilizar-se. Do mesmo modo, para conhecermos o nosso rumo em relação ao Norte magnético da nossa consciência, é útil uma meditação. Em primeiro lugar, deixar os nossos pensamentos se apaziguarem, para que a única magnetização da nossa agulha interior presida aos movimentos do nosso espírito. Em seguida, este girará um pouco para a esquerda, um pouco para a direita, na corrente das reflexões e das associações de ideias. “A verdade está aqui”, “não, por ali”, “mas não, aqui!”, com cada eixo um novo matiz que aparece. E, finalmente, a agulha estabiliza-se, nasce uma certeza interior: “a minha verdade é esta aqui”, “e eis o meu rumo”, “sei onde se encontra o Norte”! Assim, quando se está desorientado, o mais importante, o mais precioso, é reencontrar a paz no seu espírito.
Um segundo instrumento que o nosso jovem navegador descobre com perplexidade é o quadrante, ancestral do sextante (5).
Ele permite medir a altura de uma estrela por cima do horizonte. Mas porquê medir a altura de uma estrela? Para conhecer a sua posição, pelo menos uma das suas coordenadas: a latitude. Conhecendo a sua posição e reportando-a num mapa, ele poderá reencontrar o caminho da sua terra natal, das suas origens, no dia em que tiver necessidade de se revitalizar e repousar.
O quadrante utiliza-se observando uma estrela, não importa qual: a estrela polar, aquela que se encontra na proximidade da direcção do Norte e que pertence à constelação da pequena Ursa. Assim que a estrela está no visor, salientamos o ângulo formado entre esta direcção e um fio-de-prumo. Este instrumento evoluiu no curso da história, provindo da arbaleta ao quadrante, depois do octante (6) e do sextante. Em cada melhoramento, o ângulo de abertura total do instrumento aumentava.
A visualização é uma técnica que permite alcançar as estrelas, a estrela da nossa escolha. É preciso, antes de tudo, visar e visualizar com tanta precisão quanto possível. Depois, deixar o fio-de-prumo tomar a vertical, ficar imóvel e, finalmente, recolher a medida do ângulo, a resposta ou o resultado procurado.
Um suporte de visualização pode ser uma igreja, e se a nau é um instrumento de viagem do navegador, ela é também o nome dado à parte principal das igrejas (7), na qual o tecto é uma barca, invertida, para indicar que se trata de uma viagem do espírito.
O nosso jovem navegador que continua a ler, a agir e a anotar, aprende em seguida que para poder determinar a sua segunda coordenada, a longitude, é necessário saber a hora. E que, comparando a hora de um acontecimento astronómico (tal é uma conjunção, o levantar de uma estrela, ou uma estrela no seu zénite) com a hora prevista do meridiano de origem nos catálogos, ele pode por subtracção conhecer o seu próprio meridiano.
Como marca dos tempos, ele confia no Sol, lendo a hora sobre um mostrador solar, na Terra. Mas é ainda necessário manter a hora a bordo do barco. Para isso, a técnica existente consiste em virar regularmente uma ampulheta. Aquela que aqui empregamos chama-se timoneiro (8). A areia contida na ampulheta evoca bem a praia e a costa deixadas para trás. Os sables (9) existem também na heráldica, a cor negra, aquela da mestria. Ser mestre do tempo...?, ou antes, ser mestre... graças ao tempo!
A ampulheta deve ser virada regularmente, para se esvaziar o seu conteúdo para cada um dos lóbulos alternativamente. Passagem do alto para o baixo, do visível para o invisível. Ela é a marca da regularidade necessária na prática da determinação da posição do navio, como em qualquer outro exercício.
Milhões de anos são findos desde a partida do nosso navegador. Tornou-se num homem, forte e viril, tornou-se mestre na arte da navegação e brinca com os ventos e as correntes. Pelos tempos de tempestade ou pela calmaria, nunca esmoreceu! Aí descobriu novas terras, por miríades!, encontrou culturas diferentes e fez, por vezes, um pouco do caminho com os outros, partilhando o que viveu. Ele viajava num espírito de busca de autenticidade,... do divino que se encontra em cada ser.
Uma noite, levantou-se uma terrível tempestade, tão terrível que a única coisa que este excelente navegador pode fazer foi baixar rapidamente as velas e fechar-se na cabina. Ficou aí três noites e três dias, sem beber nem comer, e temendo a morte. No terceiro dia, as vagas e os ventos batiam com tal violência que ele pensou que o seu último instante tinha chegado. Então, do mais profundo de si mesmo, elevou-se um pedido de ajuda em direcção ao que é mais alto do que o céu, maior do que o mar e mais profundo que o mais profundo do oceanos. Em direcção a um destino do qual ele não tinha mapa algum e que nenhum instrumento saberia medir.
Assim que ele lançou o seu apelo, a tempestade apaziguou-se, e daquilo que ele viu... é difícil de se fazer uma ideia...: uma multidão de cores que parecia dançar. Cada vez que ele chega a este ponto da sua história, as lágrimas, que diríamos de alegria, correm-lhe pelo rosto franzido pelos ventos.
Depois disto, recolheu-se na sua casa pela primeira vez, e propôs-se ensinar, a todos aqueles que queriam, a arte da navegação; colocava um cuidado meticuloso na aprendizagem da determinação da posição do navio,.... apesar do facto de que a maior parte dos seus alunos não parecia, de forma alguma, querer afastar-se das costas. Parecia-lhe a ele certo que um dia isso ser-lhes-ia necessário.
Quando lhes ensinou tudo, foi daí para uma praia deserta onde se encontrava uma nau que parecia esperá-lo. Comandou-a e, imediatamente, ela afastou-se da costa, transportando-o num grande silêncio. Nenhum dos instrumentos habituais se encontrava a bordo, ele não tinha aí nem uma haste! Então, deixou-se conduzir... e navega ainda nos nossos dias!...
Há tanto a descobrir, pelas ilhas ou pelos continentes, os instrumentos de navegação estão presentes e as rotas são tão belas!
Então..., Bom Vento!



(1) Nota do Tradutor: Devido à frequente utilização de palavras e expressões específicas do vocabulário próprio da naútica, serão introduzidas, como notas de rodapé, definições deste domínio que julguemos pertinentes, retiradas do Dicionário Universal da Língua Portuguesa, da Texto Editora. Assim, “pôr à capa” significa “fazer manobra, em ocasião temporal, para proteger o navio contra o furor do mar”.
(2) N. do T.: “escota”, ou seja, “cabo com que se governa a vela de um navio”.
(3) N. do T.: “cordame” significa “a totalidade dos cabos do aparelho de um navio”.
(4) N. do T.: “coberta” ou “cada um dos pavimentos do navio”.
(5)N. do T.: Instrumento matemático para medir ângulos, a altura dos astros e as suas distâncias angulares.
(6)N. do T.: Octante, ou oitante, é um instrumento naútico para medir alturas e distâncias.
(7)N. do T.: Na língua francesa utiliza-se a mesma palavra, “nef”, para exprimir “nau” e “nave”. Na língua portuguesa, as duas palavras apresentam, hoje em dia, significados diferentes no que respeita o caso apresentado, isto é, o da arquitectura de igrejas. Porém, antigamente eram sinónimos, pelo que se dizia “a nau da igreja” ao invés de “a nave da igreja”.
(8)N. do T.: Aquele que governa uma embarcação, chefe ou guia.
(9)N. do T.: A palavra francesa “sable” tem o sentido de areia (da ampulheta, da praia...), mas também de cor negra dos brasões, não sendo neste caso traduzida para a nossa língua e servindo antes como estrangeirismo - o sable - para dar conta do termo referente à heráldica.



Fonte: Lusophia

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

"Os Caminhos Esotéricos de Portugal - Sete Peregrinações pelos Caminhos do Quinto Império" - José Medeiros


Os Caminhos Esotéricos de Portugal - Sete Peregrinações pelos Caminhos do Quinto Império
José Medeiros
Pergaminho, Portugal

"O Livro de Horas para o Terceiro Milénio" - José Medeiros



O Livro de Horas para o Terceiro Milénio
José Medeiros
Pergaminho, Portugal

"Alquimia Vegetal - Manual de Espagíria" - José Medeiros




Alquimia Vegetal - Manual de Espagíria
José Medeiros
Pergaminho, Portugal, 2007


"Um alquimista deve habitar longe dos homens, numa casa particular onde existam duas ou três divisões exclusivamente destinadas às sublimações, às soluções e às destilações.

O alquimista deve ser silencioso e discreto e não deve revelar a ninguém os resultados das suas operações.

Deverá viver na solidão e afastado dos homens.

Na sua casa deverá haver algumas salas inteiramente consagradas à Obra.

Deverá escolher as horas propícias para as suas operações, esperando que as constelações lhe sejam favoráveis.

Deverá ser paciente e perseverante.

Deverá operar, segundo as regras, a trituração, a sublimação, a fixação, a calcinação, a solução, a destilação e a coagulação.

Deverá utilizar unicamente recipientes de vidro ou barro vidrado.

Deverá ter os meios suficientes para suportar as despesas exigidas pelos seus trabalhos.

E, por fim, deverá evitar qualquer contacto com os príncipes e os governantes."


Alberto Magno
in De Alchimia


"A Alquimia procura agir sobre as energias primordiais da Vida de forma a purificá-las e a obter a sua potência original. A sua prática conduz a um conhecimento íntimo da Natureza visível e das suas energias invisíveis, Vida e Consciência.
Esse conhecimento torna acessível ao Homem uma transmutação, uma regeneração iniciática. Depois e só então lhe é aberta a vida das transmutações materiais."

Jean Dubuis


"(...) a iniciação pessoal alquímica é uma viagem de várias etapas, comportando, cada uma, vários patamares. Não é uma iniciação simbólica como a maior parte das que são dadas por diversas organizações. A  iniciação alquímica modifica o nível de consciência e abre o domínio do Conhecimento da Natureza. Esse domínio não é o do conhecimento volátil e provisório da ciência, mas o do conhecimento fixo de diversos mundos. Para essa viagem, é necessário ter um plano. Existem vários, mas, no Ocidente, o melhor que temos à nossa disposição é, sem dúvida, a Cabala, a tradição ocidental utilizada pelos Filósofos Alquimistas do passado, que conheciam a filosofia da Natureza."


Les Philosophes de la Nature

sábado, 22 de janeiro de 2011

Iniciação - Fernando Pessoa

INICIAÇÃO
Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
......
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa.
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.
Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.
Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
......
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não estás morto, entre ciprestes.
......
Neófito, não há morte.


Fernando Pessoa

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011



"O que se vê no espelho do Absoluto
é a forma daquele que contempla
e não a forma do Absoluto."

Al-Qâshânî

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011



"O indivíduo não realiza o sentido da sua vida se não conseguir colocar o seu "Eu" a serviço de uma ordem espiritual e sobre-humana." 
 Carl Gustav Jung

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011



"Desejei fazer o bem mas sem fazer barulho, pois senti que o barulho não fazia o bem, e que o bem não fazia barulho." 
 

Louis Claude de Saint-Martin

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

"O Labirinto de Chartres: Espelho do Caminho" - Dazur

O Labirinto de Chartres: Espelho do Caminho
por Dazur
 
dazur@free.fr
Tradução por Ana Rita Borges
 
Assim que se entra na catedral de Chartes, bastam alguns passos para se achar frente ao labirinto. Ele está lá, como um desafio a reanimar. À volta, os seus espinhos velam no silêncio da pedra. A rosa no seu centro será o troféu daquele que souber chegar até ela.
Os nossos primeiros passos, após um pequeno desvio, conduzem-nos rapidamente até muito perto da rosa. Somos encorajados por esta promessa de sucesso...
...mas eis que o caminho se afasta e prossegue como as circunvoluções do nosso cérebro. E andamos sobre o lado esquerdo. Hemisfério esquerdo do cérebro: o intelecto. Aquele que calcula, que conta, que raciocina. O caminho atrai-nos. Prosseguimos.
Passamos para a direita e, outra vez, muito rapidamente, aproximamo-nos do centro para daí nos afastarmos.
Hemisfério direito do cérebro: as primeiras experiências psíquicas marcantes, as impressões subjectivas; tomamos consciência de um mundo diferente. Mas logo queremos analisar e regressamos ao hemisfério esquerdo do cérebro.
Procuramos conhecimentos e tentamos fazer a viagem intelectualmente. Depressa inúmeros conceitos, até então desconhecidos, tornam-se familiares. Alguns, não vendo o que mais poderiam aprender, não irão mais longe. E passarão o resto da sua existência a fazer discursos e a explicar a vida aos outros. Estagnação.
Outros atravessarão esta ponte, a conexão entre os dois hemisférios, que é a mais próxima do Oriente. E eles entrarão neste mundo ignorado do intelecto, onde não se pode permanecer senão depois de o ter satisfeito e controlado, fazendo dele uma ferramenta e não mais um obstáculo. Neste mundo novo é então necessário viver e ousar a experiência e vivê-la plenamente. Aqui, o discurso não tem lugar. A hora é de acção: acção-serviço para com a humanidade, assim como, acção-caminhar activa em direcção ao centro do Ser.
Mas o caminho eterniza-se e a rosa é sempre questão... e é uma dupla circunvolução tão longa e tão distante do centro que tudo se torna desencorajamento, não mais intelectual, mas interior, até mesmo físico: a noite obscura do iniciado, onde o vivido perde o seu sentido para além da ideia que se pode fazer dele.
Alguns, ainda, permanecerão lá: decepcionados, cansados, prostrados. Outros extrairão de uma fé sem objecto a coragem de prosseguir. E, reencontrando o eixo de partida, viverão novamente a dúvida num último desvio, como se fosse demasiado simples avançar para o coração. Porque é bem no coração que penetraremos então, na rosa na qual, finalmente, respiraremos o perfume.
Orgulhosos por termos percorrido este longo périplo e por nele termos ultrapassado com sucesso todas as provações, acreditamos ter chegado, ao passo que, por esta análise simples, criamos de todas as peças, os mais subtis e os mais perigosos dos obstáculos do caminho. Acreditando ter conquistado a rosa, estamos na realidade enclausurados no centro da nossa Satisfação, por termos controlado os nossos dois hemisférios e por termos avançado, com coragem, até ao fim do caminho.
Se nos deixarmos ficar, viveremos cativos na ilusão de sermos livres. O nosso orgulho terá, então, todo o tempo para se exprimir. É preciso sair e continuar, porque o coração do santuário não é aqui. Mas será necessário refazer todo este caminho e abandonar o labirinto pelo Oeste, em direcção ao pôr do Sol? Como uma derrota com o gosto amargo do esforço inútil? Antes de tornar a partir, desfrutamos ainda deste local e é ajoelhados que oramos o resto da noite, para que a luz apareça de novo por entre as nossas trevas. Então, se o nosso coração é puro nesta demanda, com os primeiros raios do Sol nascente, a Luz surge finalmente.
Levantamos os olhos banhados de lágrimas de Profunda Alegria e andamos em frente, em direcção à luz  do Oriente, sem ver mais nenhum dos muros do labirinto.
Atravessamo-los de qualquer modo, tomando consciência que eles não são mais do que linhas desenhadas por terra: labirinto ilusório do nosso mental e da nossa auto-satisfação.
 
 Livres, desta vez, nós o somos, e avançamos banhados de Luz até ao encontro do Coração verdadeiro, no seio do qual, finalmente, compreendemos plenamente estas palavras: Non nobis, Domine, non nobis, sed Nomini Tuo da Gloriam.
 "Não por nós, Senhor, não por nós, mas pela Glória do Teu Nome.”
Divisa dos Cavaleiros da Ordem do Templo
O desenho da catedral no cimo desta página foi retirado da excelente obra de Michel Neillo “La symphonie symbolique ou les merveilles de la Cathédrale de Chartres" - 1989 - Ed. du Chariot
Poderá consultar este artigo no original em francês em:
 

"Paulo, o Iniciado" - António de Macedo



Paulo, o Iniciado

António de Macedo



Esta mística inserção num veio comum tradicional tem levado certos estudiosos a pensar que os Mistérios cristãos se inspiraram formalmente nos mistérios do mundo antigo:

A acrescentar às tradições do AT e respectiva liturgia sinagogal, as tradições dos cultos mistéricos helenísticos também foram absorvidas e reinterpretadas segundo fórmulas cristãs. Assim, dentre as tradições tomadas das religiões mistéricas contam-se por exemplo: a disciplina arcana com a distinção entre os verdadeiros mystai (os iniciados nos segredos da fé cristã) a quem era permitido participar no serviço esotérico (isto é, a Eucaristia), e os catecúmenos; a introdução de hinos cantados cuja forma dependia do estilo melódico dos hinos mistéricos (além dos Salmos judeus); a manutenção do antigo gesto de mãos erguidas durante a epiclese sacramental que invoca a infusão do Espírito Santo no pão e no vinho no momento da consagração; e muitos outros[1].

Chegado a este patamar peço licença para fazer uma pausa. Talvez não seja má ideia, depois de tantas vezes ter falado em «mistério» e «mistérios», determo-nos um pouco para tentar descobrir o que se esconde por trás de tais palavras, e digo bem, palavras, e não apenas uma palavra só usada umas vezes no plural, outras no singular.
Mais do que um ideólogo do saudosismo e um filósofo da estética e da simbólica, Afonso Botelho (1919-1996) questiona-se com fequência, nos seus escritos, acerca das origens e dos arquétipos, e deixa-nos uma primeira observação, límpida e motivadora, sobre a distinção singular-plural a que acabo de me referir:

… O essencial do mistério cristão, para além da separação intransponível da natureza dos dois mundos, está na oferta cativante de uma via para a transpor. […] Inversa é a configuração do mistério ou dos mistérios gregos. Verdadeiramente, só existem mistérios e não mistério na Grécia, só existem actos de um ritual secreto praticados pelos mystai. O mistério como caminho entre dois mundos naturalmente incomunicáveis só depois da Encarnação do Homem-Deus, só depois de Cristo, se completa[2].

Recuando no tempo, e incorrendo embora no pecado de aqui repetir enxutamente o que vem em diversos livros e dicionários, começarei por esclarecer ao leitor menos lidado nestas porfias que a palavra mistério tem a sua origem primeira na raiz mu-, ou my- (em grego mu), donde derivam dois verbos: mueô , que significa «iniciar», «sagrar», «instruir», e muô, que significa «fechar a boca ou os olhos», «guardar silêncio». Da mesma raiz deriva o latim mutus, «mudo», e o grego muthos ou mythos, o que nos ensina que o silêncio se associa ao mito, tal como silenciosa deverá ser a Iniciação menor, muêsis, que se completa pela Iniciação maior, teletê, sendo que esta última deriva do verbo teleô, que significa simultaneamente «concluir» e «iniciar», ou seja, «iniciar nos mais altos Mistérios», ou nos Mistérios de plenitude ou de perfeição. O mais alto grau de Iniciação também se chamava epopteia, já notaremos adiante porquê.
Avançando um pouco mais no mesmo terreno, observamos assim que os mistérios (ta mystêria) são por conseguinte a teoria de ritos (ta drômena, «actos») que conduzem iniciaticamente do silêncio à perfeição, e isto tanto no Egipto antigo como na Pérsia ou na Grécia. O iniciado tem acesso, por secretos cultos, a regiões — ou melhor: a níveis de ser — inexprimíveis ou inefáveis, o que em grego se dizia arrhêta[3], que por sua própria natureza indizível se tornam naturalmente incomunicáveis, não por qualquer imposição ou obrigação externa de «manter segredo»[4], mas porque o iniciado ao atingir o cerne do sagrado atinge o «inefável», e faltam-lhe meios de expressão adequados para comunicar ao mundo profano o que, na linguagem e segundo a razão desse mundo, seria incompreensível, e sobretudo porque a Iniciação não é uma cerimónia externa, mas, nunca será de mais repeti-lo, uma experiência interna[5].
Em todos os mistérios da Antiguidade (Isíacos, Mitríacos, Órficos, Eleusinos, etc.) vigorava a lei dos três graus, que remonta aos tempos miticamente Atlantes e do seu símbolo sacerdotal, o enigmático Tabernáculo no Deserto, configurado no Templo de Salomão pela confraria de «construtores de Templos» regulada por Hiram[6], símbolo que se prolonga pelos Collegia Fabrorumromanos e medievais e teve o seu apogeu na Ordem de Construtores e Arquitectos (Ordem Maçónica), que foi a escola dos construtores de templos góticos contemporâneos dos Templários. Esses três graus eram, para os mistérios antigos: postulante (‘o exô, «o de fora»), neófito ou misto (mystês, plural mystai), e epopta (epoptês, plural epoptai). Ou seja, mediante o rito que lhe proporciona o arrebatamento ao mundo sensível (ekstasis), o postulante torna-se um neófito ou antes um misto, ou aquele que ainda tem os olhos fechados, para se converter finalmente em epopta — da raiz ops, «olho» —, ou aquele que vê as coisas tais quais são[7]. Do mesmo modo se distinguem os graus dos Iniciadores: o dos mystai será o mystagogos, para a Iniciação menor (muêsis), enquanto o dosepoptai é o telestês, para a Iniciação maior (teletê, ou epopteia como dissemos acima).
Desde relativamente cedo se começou a observar nas primitivas comunidades cristãs uma graduação igualmente tripartida, tanto nas fases eclesiais atinentes ao culto externo como na fase interna, mais elevada e menos visível. Na fase externa encontramos as seguintes gradações, se assim se podem chamar: o catecúmeno (katêchoumenos), o baptizado ou neófito (neophytos — 1 Tim 3, 6), e o presbítero (presbyteros) ou bispo (episkopos, equipolente a epoptês). Os presbíteros podiam transmitir dons espirituais (charismata) por imposição das mãos (meta epitheseôs tôn cheirôn), conforme lemos no epistolário do NT (1 Tim 4, 14; 2 Tim 1, 6). O catecúmeno era o equivalente a postulante, recebia instrução religiosa durante três anos a fim de se preparar para o baptismo e podia assistir a certos ritos do culto. Por sua vez, o presbítero ou bispo (parece que inicialmente ambas as palavras designavam a mesma função) contava com um grau intermédio, o diácono, para o auxiliar sacerdotalmente no seu ministério —, se bem que a palavra diakonos, então, assumisse por vezes o sentido mais amplo de «servidor» (lat. minister) que se poderia aplicar aos sacerdotes, ou ao ministério sagrado, duma forma geral.
Esta, portanto, a fase formal — externa. Por sua vez os Mistérios cristãos constituem a fase oculta — mais elevada e interna. Dela trataremos, um pouco mais detalhadamente, na segunda e na terceira partes deste livro.
Que sempre existiu um esoterismo cristão é indiscutível, embora a Igreja católica se esforce por desmenti-lo, sobrevalorizando o lado exotérico da catequese e da liturgia[8]. Não há que negar a legitimidade do formalismo exotérico da religião cristã, pelo contrário: se bem que as bases iniciais sejam, tudo no-lo atesta, esotéricas, a formulação exotérica da doutrina torna-se indispensável para que a chama da respectiva linhagem tradicional não se extinga no mundo — paradoxo que, sendo impossível de se tornear, acarreta consigo um pesado ónus, pois essa formulação exotérica acaba por se constituir, praticamente, na sua única «verdade oficial».
Certas confusões são perniciosas e devemos a todo o custo areá-las e esclarecê-las: sem dúvida que falar-se em «Cristianismo esotérico», não sendo, em rigor, um erro, pode induzir em erro[9], porque o Cristianismo em si não é exclusivamente esotérico, é uma religião dada por Cristo para a salvação de todos e comunicável a todos. O que não significa, porém, que não exista um «esoterismo cristão», acessível apenas aos que queiram aprofundar os mistérios do Reino de Deus, como refere Orígenes no seu livro Contra Celsum[10]. O próprio Jesus fazia a distinção entre o que podia transmitir às multidões e o que reservava aos discípulos, a quem dizia: «A vós deu-se-vos a conhecer os mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não lhes foi dado» (Mt 13, 11). No passo paralelo do Evangelho de Marcos, Jesus define claramente quem são aqueles a quem tal não é dado: «Aos de fora [gr. tois exô] tudo se lhes dá em parábolas, a fim de que olhando, olhem e não vejam, e ouvindo, oiçam e não entendam, não suceda que se convertam e se libertem» (Mc 4, 11-12). «Os de fora» (‘oi exô), são os profanos ou ainda só postulantes, isto é, os que ficam «fora do Templo» e a quem, portanto, apenas se lhes podem ministrar instruções exotéricas. Paulo dizia o mesmo por outras palavras: «E eu, irmãos, não pude falar-vos como a espirituais, mas como a carnais, como a meninos em Cristo. Leite vos dei a beber, não comida sólida, pois ainda não éreis capazes» (1 Cor 3, 1-2).
Alguns mais radicais, como René Guénon, vão mais longe e pensam que as verdadeiras origens do Cristianismo — e sobre as quais o NT, na forma como chegou até nós, é esclarecedor sem ser claro — teriam sido de facto esotéricas (mas não na linha de Annie Besant, cuidado!), e que a divulgação generalizada constituiria um fenómeno posterior:

Será provavelmente impossível determinar o momento preciso em que o Cristianismo se transformou numa religião no sentido próprio do termo bem como numa forma tradicional destinada a toda a gente, sem distinção. Seja porém como for tratava-se dum facto consumado na época de Constantino e do Concílio de Niceia, de tal sorte que este não fez mais do que «sancioná-lo», por assim dizer, inaugurando a era das formulações «dogmáticas» destinadas a constituir uma apresentação puramente exotérica da doutrina.
[…] É pois evidente que a natureza do Cristianismo original, sendo essencialmente esotérica e iniciática, devia permanecer completamente ignorada por parte daqueles que passaram a ser admitidos no Cristianismo agora exotérico; por conseguinte, tudo quanto pudesse evidenciar ou sequer sugerir o que tinha sido realmente o Cristianismo nas suas origens deveria ser recoberto, aos olhos daqueles, por um véu impenetrável[11].

Sobre a existência de Mistérios cristãos testificam-nos alguns autores antigos, de forma mais ou menos translúcida dentro dos limites em que era possível falar-se de tais matérias. Costumam ser muito invocados, a este respeito, dois teólogos de inspiração platónica da Escola de Alexandria, dos séculos ii e iii, preocupados com os mistérios alegóricos contidos na essência do Cristianismo e que não excluem uma interpretação esotérica das Sagradas Escrituras. Refiro-me a Clemente de Alexandria (aprox. 150-216) e ao seu discípulo Orígenes (185-254).
Uma das obras mais conhecidas do primeiro, Stromateis («Miscelâneas»), é particularmente importante pelo testemunho que nos oferece da existência de Mistérios associados ao Cristianismo primitivo, e a um ensinamento secreto; por exemplo:

O Senhor não nos impediu de fazer o bem por causa das leis do sábado; Ele concordou que os que são capazes de compreender[12] partilhassem dos mistérios de Deus e da sua santa luz[13]. Além disso não revelou ao homem vulgar o que não era para ele; revelou-o, sim, a alguns poucos, a quem sabia que tal revelação lhes seria apropriada, e capazes de aceitar os mistérios e de se coadunar com eles. As coisas secretas, tal como o próprio Deus, não se devem confiar por escrito, mas sim exprimirem-se pelo Logos [ou: por palavra]. E se alguém nos contrapõe citando a Escritura: «Nada há encoberto que se não descubra, nem nada escondido que se não dê a conhecer» (Mt 10, 26)[14], responder-lhe-emos que nesta frase [Jesus] predisse que os segredos ocultos serão revelados aos que escutam em segredo, e que tudo o que é velado, como a verdade, será descoberto aos que são capazes de receber as tradições sob um véu, e o que é incompreensível à maioria será claro para a minoria.
[…] Os mistérios são transmitidos misteriosamente, de boca a ouvido, ou melhor, não nas vozes do que fala e do que escuta, mas nas suas mentes. Deus concedeu à Igreja que uns sejam «apóstolos, outros profetas, outros evangelistas, outros pastores e instrutores, para aperfeiçoamento dos santos na obra do seu ministério, e para edificação do corpo de Cristo» (Ef 4, 11-12).
Estou bem consciente da pobreza desta minha compilação de notas comparada com a graça do Espírito que me considerou digno de o escutar. Mas ao menos será como que uma imagem, que lembrará o arquétipo original àquele que tiver sido tocado pelo tirso[15]. «Dá ao sábio, e tornar-se-á mais sábio ainda», diz a Escritura (Prov 9, 9), e «ao que tem, dar-se-lhe-á e terá em abundância» (Mt 13, 12). Há aqui uma promessa, não de dar uma plena interpretação dos segredos — longe disso —, mas de oferecer um vislumbre para quando nos esquecemos, ou para evitar que isso aconteça[16].

Vejamos um outro elucidativo passo do mesmo livro de Clemente Alexandrino:

Uma vez que a nossa tradição não é recebida em comum nem aberta a todos, e muito menos quando nos damos conta da magnificência do Logos, segue-se que temos de manter secreta «a sabedoria de Deus em mistério, a oculta»[17], ensinada pelo Filho de Deus. O próprio profeta Isaías precisou de ter a língua purificada pelo fogo para poder revelar a sua visão[18]. Nós também precisamos de ser purificados tanto de ouvido como de língua, se nos propomos partilhar da verdade. Só de pensá-lo, tolhe-se-me a mão para o escrever, e, observando as palavras da Escritura, cuidarei de não lançar as pérolas aos porcos, não aconteça que as pisem aos pés e, acometendo-nos, nos despedacem[19]. É difícil apresentar argumentos puros e lúcidos, a respeito da verdadeira luz[20], a pessoas que são como cevados na sua falta de educação. Quase nada há que pareça mais ridículo aos homens vulgares do que estes discursos, nem mais maravilhoso e divinamente inspirado para os que sejam de nobre natureza. «Mas o homem vivente não capta as coisas do Espírito de Deus, pois são loucura para ele»[21]; os sapientes não anunciam em público o que discutem em concílio. «O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia, e o que escutais ao ouvido, proclamai-o de cima dos terraços», diz o Senhor (Mt 10, 27). Ele quer dizer que recebamos as tradições secretas do conhecimento revelado, interpretadas com a máxima elevação, e, uma vez que as ouvimos murmuradas aos nossos ouvidos, que as transmitamos a quem delas seja digno, e não que as espalhemos sem reserva a qualquer um, quando Ele, para estes, o fez em parábolas[22].

Quanto a Orígenes, um dos maiores eruditos da Patrística grega e profundo conhecedor dos mistérios pagãos, é autor dalgumas obras monumentais — e essenciais — de que se destacam osHexapla, por exemplo, primeiro intento de se estabelecer um texto crítico do AT a partir de seis versões correntes gregas e hebraicas, que cotejou em seis colunas paralelas e cuja organização lhe consumiu praticamente a vida inteira, além do denso tratado Peri archôn («Acerca dos princípios»), que a Igeja considera discutível e que o ascético Rufino de Aquileia (345-410) traduziu com o títuloDe principiis adulterando-o e eliminando intencionalmente as passagens e as fórmulas mais «suspeitas». Entretanto, e para o que ora nos importa, basta que nos abeiremos do seu elucidativo tratado Contra Celsum, escrito provavelmente no ano 248 em refutação do livro Discurso verídico, ataque demolidor que o filósofo Celso, igualmente neoplatónico como Orígenes mas ferozmente anticristão, desfere contra o Cristianismo. Naquele, Orígenes revela algumas coisas:

E nada digo por ora do estudo cuidadoso de tudo quanto está escrito no Evangelho. Cada ponto contém muitas razões difíceis de entender, não só para o vulgo, mas incluso para algumas pessoas inteligentes. Tal, a densa exposição das parábolas que Jesus fazia aos de fora[23], guardando a explicação delas para os que tinham ultrapassado a audição exotérica e se aproximavam privadamente d’Ele, em casa. Celso admirar-se-ia se conseguisse compreender o motivo que há para se chamar a uns «de fora», e a outros «de casa». E quem, sendo capaz de contemplar os vários passos de Jesus, não se maravilhará de vê-lo ora subir à montanha para proferir este discurso ou para realizar aquelas outras acções ou transfigurar-se, ora para, em baixo, curar os enfermos, incapazes de subir aonde o seguiam os seus discípulos? Não é porém este o momento de explicar quanto de verdadeiramente venerável e divino contêm os Evangelhos ou o sentido que Paulo tem de Cristo, isto é, da Sabedoria e do Logos de Deus[24]. Baste o que se disse, para contrapor a essa galhofa, indigna dum filósofo, de Celso, que ousa comparar os íntimos mistérios da Igreja de Deus «com os gatos, macacos, crocodilos, bodes e cães dos egípcios»[25].

Realcemos, de passagem, a antiga e clássica distinção esotérica que Orígenes faz entre «subir à montanha» (o caminho da Iniciação!), e o que se pode claramente fazer «na planície» aos «enfermos», isto é, aos incapazes de atingir, enquanto não «curados e purificados», a sublimação dos Mistérios. Noutro passo do mesmo livro, Orígenes aponta sem ambiguidades algumas chaves dos Mistérios com que podemos deparar nas Escrituras judaico-cristãs:

Se alguém deseja iniciar-se numa ciência misteriosa sobre o acesso das almas ao divino, não pelo que nos oferece a mais obscura seita citada por Celso, mas por livros originariamente judeus, lidos nas sinagogas, e que são aceites pelos cristãos, e por outros exclusivamente cristãos, leia as visões do profeta Ezequiel no final da sua profecia[26]; ou leia também, no Apocalipse de João, a descrição da Cidade de Deus, a Jerusalém Celeste, bem como a descrição dos seus fundamentos e das suas portas[27]. E se é capaz de entender por símbolos a senda assinalada aos que se hão-de encaminhar para o divino, leia o livro de Moisés que tem por título Números e procure quem o introduza nos mistérios que se encontram ocultos nos acampamentos dos filhos de Israel; averigue de que natureza eram os acampamentos ordenados às bandas do Oriente, que são os primeiros; de que natureza eram os orientados para Sul e Sudoeste, os que estavam junto ao mar e os que, por fim, se ordenavam a Norte[28]. Nestas passagens achará decerto ideias não despiciendas, e não, como imagina Celso, ideias que pedem ouvintes néscios e escravos. Compreenderá de quem nelas se fala bem como a natureza dos números aí indicados e que convêm a cada tribo. Expor aqui cada um destes pontos parece-nos inoportuno[29].

Finalmente, Orígenes não pode ser mais límpido quando afirma:

E de mais, que haja pontos além do exotérico que não chegam aos ouvidos do vulgo não é coisa exclusiva do Cristianismo, mas também corrente entre os filósofos, que tinham doutrinas exotéricas, e também outras esotéricas. Assim, de Pitágoras havia quem apenas ouvisse dizer: «Ele disse-o»; outros porém eram secretamente iniciados em doutrinas que não deviam chegar aos ouvidos profanos e não purificados. E quanto aos mistérios que se praticam em toda a Grécia e nas terras bárbaras, embora sejam ocultos, não os ataca Celso; por isso em vão tenta desacreditar o que há de oculto no Cristianismo e que não pode entender[30].

A necessidade da reformulação exotérica que vimos acima levou a Igreja a proceder a uma espécie de movimento translacional quanto ao sentido da palavra mistério, e aqui voltamos à tal distinção a que aludimos entre «mistério» e «mistérios» que a Igreja oficialmente adoptou e ensina: por um lado os mistérios enquanto grandes acontecimentos históricos da vida de Jesus ou da Virgem Maria, por exemplo os mistérios da Cruz ou os mistérios do Rosário; por outro, no mistério singularizado como por exemplo o mistério da Encarnação de Cristo, o mistério da Santíssima Trindade, o mistério da Eucaristia ou da Transubstanciação, o mistério Pascal, o mistério da Ressurreição. A palavra «mistério» ocorre 28 vezes no NT, 21 das quais nos textos paulinos, e em nenhum caso para exprimir o que acabámos de enumerar e que a Igreja oficializou: com o decorrer do tempo, o duplo significado de verdade divina e de rito sacro que o termo «mistério» abrangia acabou por se repartir por duas palavras, mysterium e sacramentum, ficando a primeira a designar as verdades ocultas do Cristianismo e a segunda os ritos ou as realidades sagradas. O que não exclui o poder que a Igreja detém para estabelecer, pelo mysterium, uma ponte real com o divino, poder que Cristo transmitiu aos apóstolos e que, por sucessão apostólica, é transmitido por sua vez ao longo dos séculos a todo o sacerdote regularmente ordenado[31].
É tempo entretanto de regressarmos a Paulo, que, confirmando quanto mais acima se disse sobre o originário esoterismo cristão, mui lisamente declara: «Se o nosso Evangelho está porém velado, está velado para os que se encontram no caminho da destruição, para aqueles incrédulos cujos pensamentos o deus deste século [gr. aiônos] cegou, para que neles não brilhasse a iluminação do Evangelho da glória de Cristo, o qual é imagem [gr. eikôn] de Deus» (2 Cor 4, 3-4). É importante pôr em relevo que foi o mesmo Paulo quem formulou, na sua primeira carta aos Coríntios e em duas frases fundamentais e fundamentantes, que as Escrituras cristãs nos dão dois Evangelhos, um exotérico e relacionado com a personalidade mundana: «Resolvi não saber coisa alguma, entre vós, senão Jesus Cristo, e este crucificado» (1 Cor 2, 2), e outro esotérico e relacionado com a individualidade espiritual: «Não sabeis que sois templo de Deus?» (1 Cor 3, 16). Destes «dois Evangelhos» foi o primeiro, como já fizemos notar, que a Igreja católica trouxe à luz da ribalta, e manteve, com o carácter que conhecemos e que tem sido a permanente tónica da sua doutrina cristã[32].
Inácio, bispo de Antioquia martirizado em Roma no ano 107 ou 108, foi Padre Apostólico (vir apostolicus), isto é, conheceu e conviveu pessoalmente com alguns apóstolos, afirma-o João Crisóstomo: «Inácio, em primeiro lugar, conviveu nobremente com os Apóstolos e das presenças deles se gozava como fontes do Espírito. Ora pois, que muito é que quem com eles convivia e com eles a todas as horas lidava, e participava dos seus públicos e secretos pensamentos, fosse finalmente tido por digno de tão alta dignidade?»[33].
Inácio, na sua juventude, decerto teria conhecido Paulo (além de João, e talvez outros), pois sendo Antioquia a sua pátria, e tendo sido de Antioquia que irradiou para o mundo mediterrânico a mensagem de Paulo, os seus caminhos, com toda a probabilidade, ter-se-iam cruzado. O testemunho de Inácio, portanto, convém considerar-se com especial atenção, nomeadamente — e para o caso que nos importa — o seguinte passo duma carta que endereçou à comunidade cristã de Éfeso, onde a recordação de Paulo permanecia muito vívida:
«Sois passagem para os que se elevam a Deus, iniciados com Paulo nos mesmos mistérios [gr. Paulou summusai]» (Carta aos Efésios XII, 2).
Aquelas palavras gregas, Paulou symmysai, também se podem traduzir por «companheiros de iniciação de Paulo». Ou seja, os Mistérios cristãos eram um facto, e uma das provas mais evidentes dá-nos o próprio Paulo, quando afirma de si:

Sei de um homem, em Cristo, que há catorze anos — ignoro se no corpo, ou fora dele, Deus o sabe — foi arrebatado até ao Terceiro Céu. E sei desse homem — se no corpo ou fora dele, não sei, Deus o sabe — que foi arrebatado ao Paraíso e ouviu palavras inexprimíveis [gr. arrhêta rhêmata, lat. arcana verba] que não é permitido a um homem divulgar». — 2 Cor 12, 2-4.

Este texto surpreendente de Paulo revela um facto em que muitos cristãos certamente nunca pensaram, e dá sobretudo conta, com muita força, do que é o segredo iniciático, as tais «palavras inexprimíveis» que o Iniciado recebe e não pode repetir no mundo profano. Recordemos que a expressão que Paulo usa para o inexprimível e incomunicável — arrhêta —, é a mesma que é utilizada nos mistérios antigos exactamente com o mesmo significado[34]. Não deixa de ser sintomático que Jerónimo, conhecedor dos primitivos Mistérios cristãos, tenha traduzido, na sua Vulgata Latina, aqueles dois vocábulos gregos, arrhêta rhêmata («palavras impronunciáveis ou inefáveis»), por arcana verba, expressão muito mais forte, pois significa «palavras ocultas ou secretas».
A crítica positivista, ignorando o alcance iniciático deste texto, assume perante ele uma de duas atitudes: ou opina que se trata apenas dum ancestral tema mítico (as esferas do céu!) que permaneceu no NT a par doutros como por exemplo a batalha celestial entre anjos e demónios (Ap 12, 7-9); ou limita-se a constatar que Paulo mentiu, porquanto, a fazer fé no Evangelho de João, «ninguém subiu ao Céu a não ser Aquele que desceu do Céu, o Filho do homem» (Jo 3, 13).
Pois nem uma coisa nem outra: por esta revelação ficamos a saber que Paulo era um Iniciado com o grau equivalente à 5.ª Iniciação menor da Ordem Rosacruz: esta é a Iniciação que dá acesso ao Mundo do Pensamento Abstracto, ou Terceiro Céu, na terminologia iniciática cristã e Rosacruciana[35]. E tal como nas doutrinas Rosacruzes, Paulo admite deidades ou Hierarquias a que chama «deuses», inferiores ao Deus único e a Ele submetidos: «Porque, se há aqueles que são chamados deuses, tanto no céu como na terra, havendo assim muitos deuses e muitos senhores, para nós porém não há senão um Deus, o Pai, de quem procedem todas as coisas» (1 Cor 8, 5-6).
Muito exemplos se poderiam colher dos textos de Paulo; remato com o seguinte passo da primeira carta aos Coríntios, que bem merece leitura atenta e profundada, e que já vimos, atrás, ter sido objecto de misterioso exame tanto de Clemente de Alexandria como de Orígenes:

Entre os perfeitos [gr. en tois teleiois] porém, falamos sabedoria; não a sabedoria deste século nem a dos chefes deste século condenados a perecer; mas falamos a sabedoria de Deus em mistério, a oculta, que Deus predestinou antes dos séculos para glória nossa; que nenhum dos chefes deste século conheceu; pois se a tivessem conhecido, nunca teriam crucificado o Senhor da glória. Mas como está escrito:
O que olho não viu nem ouvido ouviu,
Nem subiu ao coração do homem,
Essas coisas preparou Deus aos que o amam [Is 64, 3].
A nós no-lo revelou Deus por meio do Espírito; porque o Espírito tudo penetra, mesmo as profundezas de Deus. Quem pois conhece dos homens as coisas próprias do homem, a não ser o espírito do homem que nele se encontra? Assim também as coisas de Deus ninguém as conhece a não ser o Espírito de Deus. Nós porém não captamos o espírito do mundo mas o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos as coisas que Deus graciosamente nos deu, as quais falamos não com aprendidas palavras de sabedoria humana, mas com aprendidas do Espírito, agregando o espiritual ao espiritual. Mas o homem vivente [gr. psychikos anthrôpos, lat. animalis homo] não capta as coisas do Espírito de Deus, pois são loucura para ele, nem é capaz de entendê-las pois só espiritualmente é possível examiná-las. Em contrapartida o homem espiritual [gr. pneumatikos, lat. spiritalis] ajuíza todas as coisas, mas ninguém é capaz de ajuizá-lo. Quem pois conheceu o pensamento do Senhor, para que o instrua? Nós porém temos o pensamento [gr. noûn, lat. sensum] de Cristo. — 1 Cor 2, 6-16.

 Os «perfeitos» a que se refere Paulo são os Iniciados (teleioi) dos Mistérios Maiores, os mesmos «perfeitos» que Orígenes invoca num outro texto seu que também a este se reporta e que só o entenderá quem disso for capaz, como ele próprio adverte:

… Platão põe em terceiro lugar a imagem; nós porém, aplicando o nome de imagem a outra coisa, diremos mais claramente que a impressão das chagas que depois do Logos se dá na alma, é o Cristo que mora em cada um, e vem do Cristo Logos. Ora bem, a sabedoria, que é Cristo e mora nos perfeitos [gr. en tois teleiois] de entre nós, corresponde ao quarto elemento platónico, que é a ciência, entenda-o quem disso for capaz[36].

Nos livros canónicos do NT não se dá conta de como Paulo terminou os seus dias. O que se sabe, ou julga saber, é-nos transmitido pelos apócrifos, nomeadamente os Acta Pauli, que incluem oMartyrium Pauli, e os fragmentos que nos restam dos Actos de Pedro e Paulo: teria sido levado para Roma e decapitado no ano 67 nas Aquae Salviae, na localidade que hoje se chama Tre Fontane. A descrição da sua morte no Martyrium Pauli inspirou, ao longo dos tempos, tanto a arte como a liturgia: «Paulo então pôs-se de pé e olhou para leste, ergueu as mãos ao céu e orou demoradamente. Nas suas orações falava em hebraico com os Padres; depois, sem proferir palavra, ofereceu o pescoço ao verdugo. E quando este lhe cortou a cabeça, salpicou leite sobre a túnica do soldado»[37].
Os poetas, no entanto, têm uma visão diferente. Tal como Elias, tal como Enoch, o trespasse de Paulo, o Iniciado, não podia acrisolar-se em cadinho de terrestre cruz, mas apenas em luminoso raio de celestial mistério: «Paulo não podia morrer, como Pedro. Desapareceu nas alturas donde recebera a inspiração. O seu amor a Jesus Cristo alcançou a Eternidade e todos os atributos de Deus. Paulo é imortal em Jesus Cristo. Não morreu, desapareceu. Aparecer é ganhar forma no espaço, e duração no tempo. Desaparecer é ficar invisível, simplesmente»[38].


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[1] Ernst Wilhelm Benz, «Christian Doctrine», in Macropædia (ed. cit.), vol. 16, p. 293.
[2] Afonso Botelho, Ensaios de Estética Portuguesa, Lisboa 1989, p. 69.
[3] Karl Kerényi, Die antike Religion (1952), trad. esp. por Mª P. Lorenzo e M. L. Rodriguez: La Religión Antigua, Madrid 1972, pp. 166-167.
[4] René Guénon, Aperçus sur l’Initiation (ed. cit.), p. 89.
[5] Max Heindel, The Rosicrucian Philosophy in Questions and Answers, vol. 2, Oceanside 1947, p. 227.
[6] V. supra, pp. 63-64.
[7] Fermin Vale Amesti, Le Retour d’Henoch ou la Maçonnerie qui Revient, Paris 1993, p. 73. — V. infra, p. 303, os níveis de acesso aos mundos supra-sensíveis por parte dos Irmãos leigos e dos Adeptos dos Mistérios Rosacruzes.

[8] Cf. Antoine Faivre, Accès de l’ésotérisme occidental, reed. revista, Paris 1996, vol. I, todo o capítulo intitulado «Les débuts de l’ésotérisme chrétien», pp. 65 a 72.
[9] René Guénon, Aperçus sur l’Ésoterisme Chrétien, reed. Paris 1988, pp. 109-110. — Nesta ambiguidade incorre Annie Besant (1847-1933) no título do seu livro Esoteric Christianity (Londres 1901), cuja tradução é precisamente «Cristianismo esotérico». Devo salientar, todavia, que se trata dum livro muito bem construído e muito bem informado, e com um bom conhecimento das fontes. Pena é que para além do duvidoso ponto de vista assumido no título, a autora, que é uma investigadora competente e minuciosa, cometa alguns erros graves, por exemplo em todo o capítulo sobre o «Cristo histórico», onde reproduz a fantasiosa lenda de que Jesus teria nascido no ano 105 a. C., além duma catadupa de factos «históricos» que muito deixam a desejar.
[10] V. citação supra, p. 32.
[11] René Guénon, Aperçus sur l’Ésoterisme Chrétien (ed. cit.), pp. 28-29.

[12] Refere-se ao passo do Evangelho de Mateus (Mt 16, 5-12) em que Jesus advertiu os discípulos que se acautelassem do fermento dos fariseus e saduceus; muitos dos discípulos tomaram-no à letra e pensaram que aludia ao pão. Jesus chamou-os «homens de pouca fé» e explicou-lhes que não se referia ao pão, mas à doutrina.
[13] Aqui Clemente estabelece uma comparação com os Mistérios de Elêusis, dedicados a Deméter, a terra-mãe, e a Perséfone ou Koré («donzela»), a vegetação sua filha. Quando o iniciado nestes Mistérios recebia a revelação, era envolvido por uma luz resplandecente.
[14] Este versículo de Mateus é apresentado como chave para o entendimento da obra De occulta philosophia (1530-1533), de Agrippa von Nettesheim (1486-1535), que o coloca em epígrafe no frontispício da sua obra sob a seguinte forma: «Nihil est apertum quod non reveletur et occultum quod non sciatur. Matthaei. X».
[15] O tirso era uma vara transportada nos Mistérios Dionisíacos, encimada por uma pinha e engrinaldada de hera, e utilizada para comunicar o êxtase. «Aquele que foi tocado pelo tirso» é, naturalmente, o iniciado a quem se lhe abriu a janela para o mundo supra-sensível: «A glândula pineal (o “terceiro olho”), com a sua forma cónica no topo da coluna espinhal, é representada pelo tirso, essa misteriosa vara dos Mistérios Dionisíacos composta por uma pinha de pinheiro fixada numa haste de funcho; a finalidade da Iniciação Dionisíaca seria despertar aquela faculdade, tornando o iniciado consciente da grande mente cósmica de que o seu intelecto é uma parte» — Joscelyn Godwin, Mystery Religions in the Ancient World, Londres 1981, pp. 133-134.
[16] Clemente de Alexandria, Stromateis, I, 1, 13-14.
[17] Refere-se a um texto fundamental de Paulo (1 Cor 2, 4-16), que transcrevemos mais adiante: v. infra pp. 118-119.
[18] Refere-se a um texto de Isaías onde se descreve, simbolicamente, um momento preciso duma certa fase do percurso iniciático: Is 6, 1-8.
[19] Refere-se ao conhecido passo do Sermão da Montanha: Mt 7, 6.
[20] Refere-se ao seguinte passo do Evangelho de João: «Era a luz verdadeira, a que ilumina todo o homem vindo a este mundo» (Jo 1, 9).
[21] Ver nota 140.

[22] Clemente de Alexandria, Stromateis, I, 12, 55-56.
[23] Refere-se ao passo do Evangelho de Marcos citado mais acima: Mc 4, 11.

[24] Ver nota 140.
[25] Orígenes, Contra Celsum, III, 21.
[26] Ver Ez 48, 30-35.
[27] Ver o capítulo 21 do Apocalipse, no NT.
[28] Ver o capítulo 2 do livro dos Números, no AT.
[29] Orígenes, Contra Celsum, VI, 23.
[30] Orígenes, Contra Celsum, I, 7.
[31] V. infra pp. 241-242.

[32] William Kingsland, The Esoteric Basis of Christianity, Londres 1895, p. 156. — Os conceitos de «individualidade» e de «personalidade» têm um determinado significado quando integrados num contexto doutrinário místico ou ocultista, e outro muito diferente quando encarados de um ponto de vista da psicologia e da psico- sociologia. No primeiro caso a tónica é posta na espiritualidade, e no segundo na materialidade. Assim, de um ponto de vista quer oculto quer místico, a individualidade é o Eu superior, a tríade espiritual do ser humano considerada como uma unidade, conglobando os três aspectos espirituais que nas doutrinas Rosacruzes se chamam Espírito Divino, Espírito de Vida e Espírito Humano, e que são como que projecções tri-unitárias, respectivamente, do Pai, do Filho e do Espírito Santo no mesmo indivíduo e que constituem a sua real essência. É, naturalmente altruísta, e a sua nota-chave é o dar. A personalidade é o Eu inferior, e é constituída pelo conjunto do corpo vital ou etérico, do corpo astral ou de desejos, sede dos sentimentos e emoções, e da mente, além do corpo físico, sendo este conjunto a parte evanescente, mortal, que o Espírito imortal usa para se exprimir. É, naturalmente egoísta, e a sua nota-chave é o receber. — Por outro lado, e segundo uma abordagem psicológica e psico-sociológica, constatamos que as definições de «personalidade» e de «individualidade» variam consoante as escolas e respectivas teorias, mas duma forma geral a ênfase é posta na «personalidade», que traduz a globalidade do indivíduo, o seu carácter, atitudes, opiniões, em suma, o seu comportamento perante si próprio, perante o ambiente e perante o grupo social onde se insere. Por sua vez a «individualidade» psicologista afirma-se, grosso modo, pela valorização da liberdade e do ego, caracterizando-se por um egoísmo natural e um sistema de valores centrado em si próprio e no pequeno círculo familiar e de amizades do indivíduo em causa. — Esclareça-se desde já que usarei estes dois termos, sempre, nas acepções tanto místicas como ocultistas que descrevi em primeiro lugar. Por outro lado, oego da teoria psicanalítica (o ponto central da personalidade psicologista, capaz de percepções e que actua perante o mundo externo, físico e social), não deve confundir-se com o «Ego» das doutrinas místicas e ocultas, que equivale ao triplo-Espírito do «Eu superior».
[33] Citado em: Daniel Ruiz Bueno, Padres Apostólicos: Edición Bilingüe Completa, 5.ª ed. Madrid 1985, p. 383.
[34] V. supra, p. 108.

[35] Max Heindel, The Rosicrucian Cosmo-Conception (ed. cit.), p. 528.


[36] Orígenes, Contra Celsum, VI, 9.
[37] Citado em: Johannes Quasten, Patrologia, vol. I (ed. cit.), p. 138.
[38] Teixeira de Pascoaes, São Paulo (1934), 3.ª ed. Lisboa 1984, p. 247.