terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Os Instrumentos da Navegação Mística - La Nef d´Or

Os Instrumentos da Navegação Mística



por
La Nef d'Or
 

nefdor@bldt.net
Tradução por
Ana Rita Borges



Era uma vez um jovem rapaz a quem se tinha oferecido, na sua mais tenra idade, um veleiro. Ele não hesitou, nem por um segundo, em meter a sua embarcação na água e pôr-se a bordo. Aí descobriu os primeiros elementos da navegação: a água e as suas correntes, o vento e as suas rajadas e, sobretudo, o comportamento da sua nau entre os dois.
Ele aprendeu a governá-la: a dirigir, a manter a proa determinando um sinal de referência na costa, a virar o bordo e a pôr à capa (1).
O nosso jovem, que tinha crescido, disse a si próprio, num belo dia, que era tempo de ir mais longe, de alargar o seu próprio horizonte. E partiu, dizendo-se que nada de humano lhe seria estranho!
Em mar alto, o vento tornava-se, por vezes, mais poderoso que o normal, conduzindo a nau a grande velocidade, e era preciso prestar particularmente atenção à regulação das escotas (2), este cordame (3) que permite orientar a vela puxando com mais ou menos força a parte de cima. Regular as escotas, regular a sua escuta interior, estar à escuta dos outros, das suas necessidades, e servir... ao longo de toda esta viagem.
Enquanto uma vaga mais forte do que as outras se abate sobre a coberta (4) do navio, o nosso jovem toma consciência de que não pode continuar a navegar como antes: depressa os sinais de referência da costa diminuem a olhos vistos!
Então, ele explora a cabina do capitão, pois sabe que tudo está lá... tudo está lá, à disposição. Aí descobre vários instrumentos e livros usados. Começa a ler, a manejar os instrumentos, a compreender a sua utilidade e a sua utilização.
Entre os livros, encontra aí um cujas páginas são virgens, na com uma inscrição na capa: “Diário de Bordo”. Decide anotar nele os acontecimentos marcantes das suas viagens, os seus progressos na utilização dos novos instrumentos, as suas interrogações e as suas reflexões. Assim, a releitura deste livro poderá trazer-lhe novos elementos de compreensão sobre a maneira de navegar.
O primeiro instrumento de que toma conhecimento é uma bússola.
Ela contém uma agulha magnética, que se orienta segundo as linhas do campo magnético da Terra, e indica o Norte. Ela gira sobre um mostrador chamado rosa dos ventos, sobre o qual são inscritas as direcções dos quatro ponto cardinais, Norte, Este, Sul e Oeste. A bússola apresenta-se também sob a forma de um compasso do mar, quando ela tem mais liberdade de movimento.
Antes de poder ler a direcção do Norte e o rumo seguido, é necessário deixar a agulha estabilizar-se. Do mesmo modo, para conhecermos o nosso rumo em relação ao Norte magnético da nossa consciência, é útil uma meditação. Em primeiro lugar, deixar os nossos pensamentos se apaziguarem, para que a única magnetização da nossa agulha interior presida aos movimentos do nosso espírito. Em seguida, este girará um pouco para a esquerda, um pouco para a direita, na corrente das reflexões e das associações de ideias. “A verdade está aqui”, “não, por ali”, “mas não, aqui!”, com cada eixo um novo matiz que aparece. E, finalmente, a agulha estabiliza-se, nasce uma certeza interior: “a minha verdade é esta aqui”, “e eis o meu rumo”, “sei onde se encontra o Norte”! Assim, quando se está desorientado, o mais importante, o mais precioso, é reencontrar a paz no seu espírito.
Um segundo instrumento que o nosso jovem navegador descobre com perplexidade é o quadrante, ancestral do sextante (5).
Ele permite medir a altura de uma estrela por cima do horizonte. Mas porquê medir a altura de uma estrela? Para conhecer a sua posição, pelo menos uma das suas coordenadas: a latitude. Conhecendo a sua posição e reportando-a num mapa, ele poderá reencontrar o caminho da sua terra natal, das suas origens, no dia em que tiver necessidade de se revitalizar e repousar.
O quadrante utiliza-se observando uma estrela, não importa qual: a estrela polar, aquela que se encontra na proximidade da direcção do Norte e que pertence à constelação da pequena Ursa. Assim que a estrela está no visor, salientamos o ângulo formado entre esta direcção e um fio-de-prumo. Este instrumento evoluiu no curso da história, provindo da arbaleta ao quadrante, depois do octante (6) e do sextante. Em cada melhoramento, o ângulo de abertura total do instrumento aumentava.
A visualização é uma técnica que permite alcançar as estrelas, a estrela da nossa escolha. É preciso, antes de tudo, visar e visualizar com tanta precisão quanto possível. Depois, deixar o fio-de-prumo tomar a vertical, ficar imóvel e, finalmente, recolher a medida do ângulo, a resposta ou o resultado procurado.
Um suporte de visualização pode ser uma igreja, e se a nau é um instrumento de viagem do navegador, ela é também o nome dado à parte principal das igrejas (7), na qual o tecto é uma barca, invertida, para indicar que se trata de uma viagem do espírito.
O nosso jovem navegador que continua a ler, a agir e a anotar, aprende em seguida que para poder determinar a sua segunda coordenada, a longitude, é necessário saber a hora. E que, comparando a hora de um acontecimento astronómico (tal é uma conjunção, o levantar de uma estrela, ou uma estrela no seu zénite) com a hora prevista do meridiano de origem nos catálogos, ele pode por subtracção conhecer o seu próprio meridiano.
Como marca dos tempos, ele confia no Sol, lendo a hora sobre um mostrador solar, na Terra. Mas é ainda necessário manter a hora a bordo do barco. Para isso, a técnica existente consiste em virar regularmente uma ampulheta. Aquela que aqui empregamos chama-se timoneiro (8). A areia contida na ampulheta evoca bem a praia e a costa deixadas para trás. Os sables (9) existem também na heráldica, a cor negra, aquela da mestria. Ser mestre do tempo...?, ou antes, ser mestre... graças ao tempo!
A ampulheta deve ser virada regularmente, para se esvaziar o seu conteúdo para cada um dos lóbulos alternativamente. Passagem do alto para o baixo, do visível para o invisível. Ela é a marca da regularidade necessária na prática da determinação da posição do navio, como em qualquer outro exercício.
Milhões de anos são findos desde a partida do nosso navegador. Tornou-se num homem, forte e viril, tornou-se mestre na arte da navegação e brinca com os ventos e as correntes. Pelos tempos de tempestade ou pela calmaria, nunca esmoreceu! Aí descobriu novas terras, por miríades!, encontrou culturas diferentes e fez, por vezes, um pouco do caminho com os outros, partilhando o que viveu. Ele viajava num espírito de busca de autenticidade,... do divino que se encontra em cada ser.
Uma noite, levantou-se uma terrível tempestade, tão terrível que a única coisa que este excelente navegador pode fazer foi baixar rapidamente as velas e fechar-se na cabina. Ficou aí três noites e três dias, sem beber nem comer, e temendo a morte. No terceiro dia, as vagas e os ventos batiam com tal violência que ele pensou que o seu último instante tinha chegado. Então, do mais profundo de si mesmo, elevou-se um pedido de ajuda em direcção ao que é mais alto do que o céu, maior do que o mar e mais profundo que o mais profundo do oceanos. Em direcção a um destino do qual ele não tinha mapa algum e que nenhum instrumento saberia medir.
Assim que ele lançou o seu apelo, a tempestade apaziguou-se, e daquilo que ele viu... é difícil de se fazer uma ideia...: uma multidão de cores que parecia dançar. Cada vez que ele chega a este ponto da sua história, as lágrimas, que diríamos de alegria, correm-lhe pelo rosto franzido pelos ventos.
Depois disto, recolheu-se na sua casa pela primeira vez, e propôs-se ensinar, a todos aqueles que queriam, a arte da navegação; colocava um cuidado meticuloso na aprendizagem da determinação da posição do navio,.... apesar do facto de que a maior parte dos seus alunos não parecia, de forma alguma, querer afastar-se das costas. Parecia-lhe a ele certo que um dia isso ser-lhes-ia necessário.
Quando lhes ensinou tudo, foi daí para uma praia deserta onde se encontrava uma nau que parecia esperá-lo. Comandou-a e, imediatamente, ela afastou-se da costa, transportando-o num grande silêncio. Nenhum dos instrumentos habituais se encontrava a bordo, ele não tinha aí nem uma haste! Então, deixou-se conduzir... e navega ainda nos nossos dias!...
Há tanto a descobrir, pelas ilhas ou pelos continentes, os instrumentos de navegação estão presentes e as rotas são tão belas!
Então..., Bom Vento!



(1) Nota do Tradutor: Devido à frequente utilização de palavras e expressões específicas do vocabulário próprio da naútica, serão introduzidas, como notas de rodapé, definições deste domínio que julguemos pertinentes, retiradas do Dicionário Universal da Língua Portuguesa, da Texto Editora. Assim, “pôr à capa” significa “fazer manobra, em ocasião temporal, para proteger o navio contra o furor do mar”.
(2) N. do T.: “escota”, ou seja, “cabo com que se governa a vela de um navio”.
(3) N. do T.: “cordame” significa “a totalidade dos cabos do aparelho de um navio”.
(4) N. do T.: “coberta” ou “cada um dos pavimentos do navio”.
(5)N. do T.: Instrumento matemático para medir ângulos, a altura dos astros e as suas distâncias angulares.
(6)N. do T.: Octante, ou oitante, é um instrumento naútico para medir alturas e distâncias.
(7)N. do T.: Na língua francesa utiliza-se a mesma palavra, “nef”, para exprimir “nau” e “nave”. Na língua portuguesa, as duas palavras apresentam, hoje em dia, significados diferentes no que respeita o caso apresentado, isto é, o da arquitectura de igrejas. Porém, antigamente eram sinónimos, pelo que se dizia “a nau da igreja” ao invés de “a nave da igreja”.
(8)N. do T.: Aquele que governa uma embarcação, chefe ou guia.
(9)N. do T.: A palavra francesa “sable” tem o sentido de areia (da ampulheta, da praia...), mas também de cor negra dos brasões, não sendo neste caso traduzida para a nossa língua e servindo antes como estrangeirismo - o sable - para dar conta do termo referente à heráldica.



Fonte: Lusophia

Sem comentários:

Enviar um comentário