Apolônio acreditava na oração, mas quão diferentemente da vulgar! Para ele a idéia de que os Deuses pudessem ser desviados da senda da estrita justiça pelas súplicas dos homens era uma blasfêmia; que os Deuses pudessem se tornar partidários de nossas esperanças e temores egoístas, para nosso filósofo era algo impensável. Só sabia de uma coisa: que os Deuses eram os ministros do direito e os rígidos administradores do justo merecimento. A crença comum, que persiste até em nossos dias, de que Deus pode ser desviado de Seu propósito, de que pactos poderiam ser feitos com Ele ou Seus ministros, era inteiramente desprezível para Apolônio. Seres com quem pactos podiam ser feitos, que podiam ser influenciados e obrigados, não seriam Deuses, mas menos que homens. Assim encontramos Apolônio jovem conversando com um dos sacerdotes de Esculápio nos seguintes termos:
"Já que os Deuses conhecem todas as coisas, imagino que alguém que entre no templo com uma consciência correta em si rezaria assim: 'Dai-me, oh Deuses, o que me cabe!' " (i, II)
E assim também ele rezou, em sua longa jornada à Índia, na Babilônia: "Deus do Sol, envia-me sobre a Terra até onde for bom para Ti e para mim; e que eu possa conhecer o bem, e jamais conhecer o mal ou ser conhecido por ele" (i, 31).
Uma de suas preces mais comuns era, segundo Damis, assim: "Concedei, oh Deuses, que eu tenha pouco e não precise de nada" (i, 34).
"Quando entrais nos templos, pelo que rezais?", perguntou para nosso filósofo o Pontífice Máximo Telesino. "Eu rezo", disse Apolônio, "para que a retidão possa imperar, para que as leis permaneçam intactas, para que o sábio seja pobre e os outros, ricos, mas honestamente" (iv 40).
A fé de nosso filósofo no grande ideal de nada ter e ainda assim possuir todas as coisas, é exemplificada em sua réplica ao oficial que demandava como ele pretendia entrar nos domínios da Babilônia sem permissão. "Toda a Terra", disse Apolônio, "é minha, e me é dado que eu a percorra" (i, 21).
Há muitos exemplos de somas de dinheiro sendo oferecidas a Apolônio por seus serviços, mas ele invariavelmente as recusava; e não só isso, mas seus seguidores também recusavam todos os presentes. Quando o Rei Vardan, com verdadeira generosidade oriental, ofereceu-lhe presentes, foram devolvidos; e nisto disse Apolônio: "Vêde, minhas mãos, ainda que muitas, são todas parecidas". E quando o rei perguntou a Apolônio qual presente ele traria para ele da Índia, nosso filósofo replicou: "Um presente que vos agradará, Sire. Pois se minha estada lá me tornar mais sábio, voltarei a vós melhor do que sou agora" (i, 41).
Quando estavam cruzando as grandes montanhas em direção à Índia, diz-se que teve lugar uma conversa entre Apolônio e Damis, a qual nos fornece um bom exemplo de como nosso filósofo sempre usava os incidentes do dia para inculcar as mais elevadas lições de vida. A questão dizia respeito a "embaixo" e "em cima". "Ontem", diz Damis, "estávamos embaixo no vale; hoje estamos em cima, alto nas montanhas, não muito distantes do céu". "Então isto é o que tu queres dizer por 'embaixo' e 'em cima' ", disse Apolônio gentilmente. "Mas é claro!", replicou Damis impaciente, "se penso claramente; que necessidade temos de tais questões inúteis?". "E adquiriste um conhecimento maior da natureza divina estando mais perto do céu sobre o topo das montanhas?", continuou seu mestre, "Pensas que os que observam o céu das alturas montanhosas estão algo mais perto do entendimento das coisas?". "Para falar a verdade", disse Damis, um tanto desconcertado, "eu pensei mesmo que desceria mais sábio, pois estive numa montanha mais alto do que qualquer outro homem, mas temo não saber mais do que antes de subir nela". "Tampouco os outros homens saberão", replicou Apolônio; "tais observações os fazem ver o céu mais azul, as estrelas maiores, e o sol a nascer da noite, coisas sabidas por aqueles que conduzem as ovelhas e cabras; mas como Deus realmente se interessa pelo gênero humano, e como Ele tem vero prazer em seu serviço, o qual é a virtude, a retidão e o senso-comum, eis que nem [o monte] Athos o revelará àqueles que escalam seu cume, nem o Olimpo, que suscita a admiração do poeta, a não ser que a alma o perceba; pois quando a alma, pura e sem mistura, ascender a estas altitudes, juro-te, ela voará muito, muito mais alto do que este Cáucaso altaneiro" (ii, 6).
Novamente, quando em Termópilas, seus seguidores estavam disputando sobre qual seria o local mais alto da Grécia, estando então o Monte Eta em vista. Acontecia de eles estarem bem ao pé da colina onde os espartanos foram derrotados crivados de flechas. Subindo ao cume, Apolônio exclamou: "E eu acho que este é o ponto mais alto, pois aqueles que aqui tombaram por amor à liberdade fizeram-no tão alto como o Eta, e o elevaram muito acima de mil Olimpos" (iv, 23).
Um outro exemplo de como Apolônio transformava acontecimentos casuais em boas ilustrações é o seguinte: Certa vez em Éfeso, em uma das estradas pavimentadas perto da cidade, ele estava falando sobre dividirmos nossos bens com os outros, e como deveríamos naturalmente ajudar uns aos outros. Ocorria que um grupo de pardais estava pousado numa árvore próxima em perfeito silêncio. Subitamente um outro pardal chegou voando e começou a chilrear, como se quisesse dizer aos outros qualquer coisa. Imediatamente todo o bando começou a pipilar também, e voaram todos atrás do recém-chegado. A supersticiosa audiência de Apolônio ficou muito impressionada pelo comportamento dos pardais, e viu nisso um augúrio de alguma coisa importante. Mas o filósofo continuou seu sermão. O pardal, disse ele, convidou seus amigos para um banquete. Um garoto escorregou em um campo próximo e esparramou-se algum grão que ele carregava em uma bolsa; ele recolheu a maior parte e foi-se embora. O pequeno pardal, calhando de encontrar os grãos que sobraram, imediatamente voou para convidar seus amigos para o festim.
Então a maior parte da audiência correu para ver se era verdade, e quando voltaram todos gritando e gesticulando maravilhados, o filósofo continuou: "Vêde que cuidado os pardais têm uns para com os outros, e quão felizes ficam em compartilhar seus bens. Mas nós homens não o aprovamos; antes, se vemos um homem dividindo seus bens com outros homens, chamamo-lo de esbanjador, extravagante, e de outros nomes, e acusamos os homens que recebem a partilha de serem aduladores e parasitas. O que nos resta então senão encerrarmo-nos em casa como aves de engorda, e empanturrarmos nossos estômagos na escuridão até que rebentemos de gordura?" (iv, 3).
Em outra ocasião, em Esmirna, Apolônio, vendo um navio ser carregado, usou a ocasião para ensinar às pessoas a lição da cooperação. "Olhai a marujada!", ele disse. "Vêde como alguns aprontaram os botes, alguns subiram as âncoras e as prenderam, alguns dispuseram as velas para aproveitar o vento, como outros ainda verificaram a proa e a pôpa. Mas se um único homem falhar em desempenhar uma só de suas tarefas, ou negligenciar suas atribuições, sua navegação será ruim, e terão a tempestade no meio deles. Mas se rivalizarem entre si, tentando equiparar-se cada um a seus companheiros, tal barco terá céus favoráveis, e um bom tempo e boa viagem sucederão" (iv, 9).
Novamente, em outra ocasião, em Rodes, Damis perguntou-lhe se ele conhecia algo maior que o famoso Colosso. "Sim", replicou Apolônio; "o homem que anda nos honestos sendeiros da sabedoria que nos dá a saúde" (v, 21).
Também há um número de exemplos de respostas satíricas ou sarcásticas dadas por nosso filósofo, e de fato, a despeito de seu temperamento usualmente grave, ele não infreqüentemente zombava de seus ouvintes, e às vezes, se podemos dizer assim, ironizava sua estultice (vide especialmente iv, 30).
Mesmo em tempos de grande perigo esta característica se mostrava. Um bom exemplo é a resposta à delicada pergunta de Tigelino: "O que pensais de Nero?". "Penso melhor dele do que vós", redargüiu Apolônio, "pois vós acreditais que ele deveria cantar, e eu penso que ele deveria manter-se em silêncio" (iv, 44).
Também sua resposta a um jovem Creso [Creso, rei da Lídia, ficou famoso por sua enorme riqueza - NT] da época é tão irônica quanto sábia; "Jovem senhor", disse ele, "penso que não sois vós que possuís vossa casa, mas que vossa casa vos possui" (v, 22).
Do mesmo estilo também é a resposta a um glutão que jactava-se de sua gulodice. Ele copiava Hércules, dizia, que era famoso tanto pela comida que comia quanto por seus trabalhos.
"Sim", disse Apolônio, "pois ele era Hércules. Mas vós, que virtude tendes, oh montanha de gordura? A única coisa que chama a atenção em vós é a possibilidade de explodirdes" (iv, 23).
Mas voltemos a momentos mais sérios. Em resposta à ardente súplica de Vespasiano, "ensina-me o que deveria fazer um bom rei", Apolônio diz-se que respondeu algo nestes termos:
"Vós me pedis o que não pode ser ensinado. Pois a realeza é a maior coisa ao alcance do mortal; e não é ensinada. Mas vos direi o que, se fizésseis, faríeis bem. Não considereis a riqueza que é acumulada - em que ela é superior à areia reunida casualmente? Nem aquela que provém de pesadas taxações que oprimem os homens - pois o ouro que vem das lágrimas é vil e negro. Empregareis melhor do que qualquer rei a riqueza, se atenderdes às necessidades dos desfavorecidos e garantirdes a riqueza dos que possuem muito. Temei o poder de fazer o que vos aprouver, assim o usareis com maior prudência. Não apareis as espigas que sobressaem dentre as outras - pois Aristóteles não é justo neste ponto (vide Chassang, op. cit., p. 458, para uma crítica desta declaração) - mas antes separai sua animosidade como o joio dentre o grão, e intimidai os agitadores em disputa não dizendo 'Eu vos puno', mas 'Irei fazê-lo'. Submetei-vos à lei, oh Príncipe, pois fareis leis mais sábias se vós mesmos não desprezardes a lei. Sê mais reverente do que nunca aos Deuses; grandes são as dádivas que recebestes deles, e orai por grandes coisas (Isto foi antes de Vespasiano tornar-se Imperador). No que tange ao estado, agi como rei; no que tange a vós mesmos, agi como um homem comum" (v, 36).
E assim sempre do mesmo modo, dando bom conselho e demonstrando um profundo conhecimento dos assuntos humanos. E se vamos supor que se trata de mero exercício retórico de Filóstrato e não é baseado na substância do que Apolônio disse, então devemos ter uma opinião melhor do retórico do que o resto de seus escritos afiança.
Existe um diálogo Socrático extremamente interessante entre Tespésion, o abade da comunidade Gimosofista, e Apolônio, sobre os méritos relativos dos modos grego e egípcio de representar os Deuses. Segue-se algo como assim:
"Mas! Vamos imaginar", disse Tespésion, "que os Fídias e os Praxíteles foram ao céu e tiveram impressões das formas dos Deuses, e assim fizeram simulacros deles, ou foi outra coisa que os fez esculpí-los?"
"Sim, foi outra coisa", disse Apolônio, "algo prenhe de sabedoria".
"O que foi? Certamente não podeis dizer que foi algo além de mera imitação!"
"A imaginação os conduziu - um trabalho mais sábio que a imitação; pois a imitação somente apresenta o que foi visto, enquanto que a imaginação apresenta o que jamais foi contemplado, concebendo-o em relação à coisa que realmente existe".
A imaginação, diz Apolônio, é uma das mais poderosas faculdades, pois nos habilita a chegar mais perto das realidades. Geralmente se supõe que a escultura grega era meramente uma glorificação da beleza física, e bastante desespiritual em si mesma. Era uma idealização das formas e feições, membros e músculos, uma glorificação vazia do físico com nada é claro correspondendo a ela realmente na natureza das coisas. Mas Apolônio declarou que ela traz-nos para mais perto do real, como Pitágoras e Platão disseram antes dele, e como todos os sábios ensinaram. Ele queria dizer isto literalmente, e não vaga e fantasticamente. Ele declarou que os protótipos e idéias das coisas são as únicas realidades. Ele queria dizer que entre a imperfeição terrena e o mais excelso arquétipo divino de todas as coisas existiam graus de crescente perfeição. Queria dizer que dentro de cada homem existe uma forma da perfeição, embora é claro que ainda não absolutamente perfeita; que o anjo no homem, seu daimon, era de uma beleza divinal, o resumo de todos os mais finos traços que apresentou em suas muitas vidas na Terra. Os Deuses também pertencem ao mundo dos arquétipos, dos modelos, das perfeições, o mundo celeste. Os escultores gregos conseguiram entrar em contato com este mundo, e a faculdade que usaram foi a imaginação.
Esta idealização da forma era um modo digno de representar os Deuses; "mas", diz Apolônio, "se entronizardes um falcão ou uma coruja ou um cão em vossos templos, para representar Apolo ou Atena ou Hermes, podeis dignificar os animais, mas fareis os Deuses perder dignidade".
A isto Tespésion replicou que os egípcios não pretendiam dar nenhuma forma específica aos Deuses; eles lhes atribuíam meramente símbolos aos quais era associado um significado oculto.
"Sim", responde Apolônio, "mas o perigo é que as pessoas comuns adorem estes símbolos e concebam idéias deformadas sobre os Deuses. O melhor seria não ter representação alguma. Pois a mente do adorador pode formar e adequar para si uma imagem do objeto de sua adoração melhor do que qualquer arte".
"Certamente", contrafez Tespésion, e então acrescentou maliciosamente: "Havia um velho ateniense por aí - não tolo - chamado Sócrates, que jurava pelos cães e gansos como se fossem Deuses".
"Sim", replicou Apolônio, "ele não era tolo. Ele jurava por eles não como sendo Deuses, mas para evitar de jurar pelos Deuses" (iv, 19).
Esta é uma encantadora passagem de sagacidade, do egípcio contra o grego, mas todos estes diálogos podem ser considerados como sendo os exercícios retóricos de Filóstrato antes do que de Apolônio, que ensinava "como tendo autoridade", como se "de uma trípode". Apolônio, o sacerdote da religião universal, poderia ter apontado o lado bom e o lado ruim tanto da arte religiosa grega quanto da egípcia, e certamente ensinou o caminho mais elevado do culto desprovido de símbolos, mas ele não defenderia um culto popular contra um outro. No diálogo acima há um nítido preconceito contra o Egito e uma glorificação da Grécia, e isto ocorre de modo marcante em diversos outros diálogos. Filóstrato era um campeão da Grécia contra todas as outras terras; mas Apolônio, cremos, era mais sábio que seu biógrafo.
A despeito da roupagem literária que é posta sobre os discursos mais longos de Apolônio, eles contêm muitos nobres pensamentos, como podemos ver pelas seguintes citações das conversas de nosso filósofo com seu amigo Demétrio, que estava tentando dissuadí-lo de enfrentar Domiciano em Roma.
"A lei", disse Apolônio, "nos obriga a morrer pela liberdade, e a natureza ordena que morramos por nossos pais, nossos amigos, ou nossos filhos. Todos os homens estão ligados por estes deveres.
Mas um dever superior é imposto sobre o sábio; ele deve morrer por seus princípios e a verdade que defende mais cara que a vida. Não é a lei que lhe impõe a escolha, não é a natureza; é a força e coragem de sua própria alma. Mesmo que o fogo e a espada lhe aflijam, não sobrepujarão sua resolução ou o obrigarão à menor falsidade; mas ele guardará os segredos das vidas alheias e tudo o que lhe for confiado à honra tão religiosamente como os segredos da iniciação. E eu sei mais que os outros homens, pois sei que de tudo o que sei, algumas coisas são para o bom, outras para o sábio, outras para mim mesmo, outras para os Deuses, mas nada para os tiranos.
"Além disso, penso que um homem sábio não faz nada sozinho ou por si mesmo, e nenhum pensamento seu é secreto, pois ele mesmo é sua testemunha. E se o ditado famoso 'conhece-te a ti mesmo' é de Apolo ou de algum sábio que aprendeu a conhecer-se e proclamou-o como um bem para todos, penso que o homem sábio que conhece a si mesmo e traz seu espírito em constante camaradagem, para lutar à sua destra, não temerá o que o vulgo teme, nem condescenderá em fazer o que a maioria dos homens faz sem a menor vergonha" (vii, 15).
Nisto temos o verdadeiro desdém filosófico diante da morte, e também o calmo conhecimento do iniciado, do confortador e do conselheiro de outros, a quem os segredos de suas vidas foi confessado, e que nenhuma tortura poderia jamais extrair de seus lábios. Aqui, também, temos a plena percepção do que é consciência, da impossibilidade de ocultar o menor traço de mal no mundo interior; e ainda o fulgurante brilho de uma ética superior que faz a conduta habitual das massas parecer surpreendente - "o que eles fazem, e sem vergonha alguma".
"Já que os Deuses conhecem todas as coisas, imagino que alguém que entre no templo com uma consciência correta em si rezaria assim: 'Dai-me, oh Deuses, o que me cabe!' " (i, II)
E assim também ele rezou, em sua longa jornada à Índia, na Babilônia: "Deus do Sol, envia-me sobre a Terra até onde for bom para Ti e para mim; e que eu possa conhecer o bem, e jamais conhecer o mal ou ser conhecido por ele" (i, 31).
Uma de suas preces mais comuns era, segundo Damis, assim: "Concedei, oh Deuses, que eu tenha pouco e não precise de nada" (i, 34).
"Quando entrais nos templos, pelo que rezais?", perguntou para nosso filósofo o Pontífice Máximo Telesino. "Eu rezo", disse Apolônio, "para que a retidão possa imperar, para que as leis permaneçam intactas, para que o sábio seja pobre e os outros, ricos, mas honestamente" (iv 40).
A fé de nosso filósofo no grande ideal de nada ter e ainda assim possuir todas as coisas, é exemplificada em sua réplica ao oficial que demandava como ele pretendia entrar nos domínios da Babilônia sem permissão. "Toda a Terra", disse Apolônio, "é minha, e me é dado que eu a percorra" (i, 21).
Há muitos exemplos de somas de dinheiro sendo oferecidas a Apolônio por seus serviços, mas ele invariavelmente as recusava; e não só isso, mas seus seguidores também recusavam todos os presentes. Quando o Rei Vardan, com verdadeira generosidade oriental, ofereceu-lhe presentes, foram devolvidos; e nisto disse Apolônio: "Vêde, minhas mãos, ainda que muitas, são todas parecidas". E quando o rei perguntou a Apolônio qual presente ele traria para ele da Índia, nosso filósofo replicou: "Um presente que vos agradará, Sire. Pois se minha estada lá me tornar mais sábio, voltarei a vós melhor do que sou agora" (i, 41).
Quando estavam cruzando as grandes montanhas em direção à Índia, diz-se que teve lugar uma conversa entre Apolônio e Damis, a qual nos fornece um bom exemplo de como nosso filósofo sempre usava os incidentes do dia para inculcar as mais elevadas lições de vida. A questão dizia respeito a "embaixo" e "em cima". "Ontem", diz Damis, "estávamos embaixo no vale; hoje estamos em cima, alto nas montanhas, não muito distantes do céu". "Então isto é o que tu queres dizer por 'embaixo' e 'em cima' ", disse Apolônio gentilmente. "Mas é claro!", replicou Damis impaciente, "se penso claramente; que necessidade temos de tais questões inúteis?". "E adquiriste um conhecimento maior da natureza divina estando mais perto do céu sobre o topo das montanhas?", continuou seu mestre, "Pensas que os que observam o céu das alturas montanhosas estão algo mais perto do entendimento das coisas?". "Para falar a verdade", disse Damis, um tanto desconcertado, "eu pensei mesmo que desceria mais sábio, pois estive numa montanha mais alto do que qualquer outro homem, mas temo não saber mais do que antes de subir nela". "Tampouco os outros homens saberão", replicou Apolônio; "tais observações os fazem ver o céu mais azul, as estrelas maiores, e o sol a nascer da noite, coisas sabidas por aqueles que conduzem as ovelhas e cabras; mas como Deus realmente se interessa pelo gênero humano, e como Ele tem vero prazer em seu serviço, o qual é a virtude, a retidão e o senso-comum, eis que nem [o monte] Athos o revelará àqueles que escalam seu cume, nem o Olimpo, que suscita a admiração do poeta, a não ser que a alma o perceba; pois quando a alma, pura e sem mistura, ascender a estas altitudes, juro-te, ela voará muito, muito mais alto do que este Cáucaso altaneiro" (ii, 6).
Novamente, quando em Termópilas, seus seguidores estavam disputando sobre qual seria o local mais alto da Grécia, estando então o Monte Eta em vista. Acontecia de eles estarem bem ao pé da colina onde os espartanos foram derrotados crivados de flechas. Subindo ao cume, Apolônio exclamou: "E eu acho que este é o ponto mais alto, pois aqueles que aqui tombaram por amor à liberdade fizeram-no tão alto como o Eta, e o elevaram muito acima de mil Olimpos" (iv, 23).
Um outro exemplo de como Apolônio transformava acontecimentos casuais em boas ilustrações é o seguinte: Certa vez em Éfeso, em uma das estradas pavimentadas perto da cidade, ele estava falando sobre dividirmos nossos bens com os outros, e como deveríamos naturalmente ajudar uns aos outros. Ocorria que um grupo de pardais estava pousado numa árvore próxima em perfeito silêncio. Subitamente um outro pardal chegou voando e começou a chilrear, como se quisesse dizer aos outros qualquer coisa. Imediatamente todo o bando começou a pipilar também, e voaram todos atrás do recém-chegado. A supersticiosa audiência de Apolônio ficou muito impressionada pelo comportamento dos pardais, e viu nisso um augúrio de alguma coisa importante. Mas o filósofo continuou seu sermão. O pardal, disse ele, convidou seus amigos para um banquete. Um garoto escorregou em um campo próximo e esparramou-se algum grão que ele carregava em uma bolsa; ele recolheu a maior parte e foi-se embora. O pequeno pardal, calhando de encontrar os grãos que sobraram, imediatamente voou para convidar seus amigos para o festim.
Então a maior parte da audiência correu para ver se era verdade, e quando voltaram todos gritando e gesticulando maravilhados, o filósofo continuou: "Vêde que cuidado os pardais têm uns para com os outros, e quão felizes ficam em compartilhar seus bens. Mas nós homens não o aprovamos; antes, se vemos um homem dividindo seus bens com outros homens, chamamo-lo de esbanjador, extravagante, e de outros nomes, e acusamos os homens que recebem a partilha de serem aduladores e parasitas. O que nos resta então senão encerrarmo-nos em casa como aves de engorda, e empanturrarmos nossos estômagos na escuridão até que rebentemos de gordura?" (iv, 3).
Em outra ocasião, em Esmirna, Apolônio, vendo um navio ser carregado, usou a ocasião para ensinar às pessoas a lição da cooperação. "Olhai a marujada!", ele disse. "Vêde como alguns aprontaram os botes, alguns subiram as âncoras e as prenderam, alguns dispuseram as velas para aproveitar o vento, como outros ainda verificaram a proa e a pôpa. Mas se um único homem falhar em desempenhar uma só de suas tarefas, ou negligenciar suas atribuições, sua navegação será ruim, e terão a tempestade no meio deles. Mas se rivalizarem entre si, tentando equiparar-se cada um a seus companheiros, tal barco terá céus favoráveis, e um bom tempo e boa viagem sucederão" (iv, 9).
Novamente, em outra ocasião, em Rodes, Damis perguntou-lhe se ele conhecia algo maior que o famoso Colosso. "Sim", replicou Apolônio; "o homem que anda nos honestos sendeiros da sabedoria que nos dá a saúde" (v, 21).
Também há um número de exemplos de respostas satíricas ou sarcásticas dadas por nosso filósofo, e de fato, a despeito de seu temperamento usualmente grave, ele não infreqüentemente zombava de seus ouvintes, e às vezes, se podemos dizer assim, ironizava sua estultice (vide especialmente iv, 30).
Mesmo em tempos de grande perigo esta característica se mostrava. Um bom exemplo é a resposta à delicada pergunta de Tigelino: "O que pensais de Nero?". "Penso melhor dele do que vós", redargüiu Apolônio, "pois vós acreditais que ele deveria cantar, e eu penso que ele deveria manter-se em silêncio" (iv, 44).
Também sua resposta a um jovem Creso [Creso, rei da Lídia, ficou famoso por sua enorme riqueza - NT] da época é tão irônica quanto sábia; "Jovem senhor", disse ele, "penso que não sois vós que possuís vossa casa, mas que vossa casa vos possui" (v, 22).
Do mesmo estilo também é a resposta a um glutão que jactava-se de sua gulodice. Ele copiava Hércules, dizia, que era famoso tanto pela comida que comia quanto por seus trabalhos.
"Sim", disse Apolônio, "pois ele era Hércules. Mas vós, que virtude tendes, oh montanha de gordura? A única coisa que chama a atenção em vós é a possibilidade de explodirdes" (iv, 23).
Mas voltemos a momentos mais sérios. Em resposta à ardente súplica de Vespasiano, "ensina-me o que deveria fazer um bom rei", Apolônio diz-se que respondeu algo nestes termos:
"Vós me pedis o que não pode ser ensinado. Pois a realeza é a maior coisa ao alcance do mortal; e não é ensinada. Mas vos direi o que, se fizésseis, faríeis bem. Não considereis a riqueza que é acumulada - em que ela é superior à areia reunida casualmente? Nem aquela que provém de pesadas taxações que oprimem os homens - pois o ouro que vem das lágrimas é vil e negro. Empregareis melhor do que qualquer rei a riqueza, se atenderdes às necessidades dos desfavorecidos e garantirdes a riqueza dos que possuem muito. Temei o poder de fazer o que vos aprouver, assim o usareis com maior prudência. Não apareis as espigas que sobressaem dentre as outras - pois Aristóteles não é justo neste ponto (vide Chassang, op. cit., p. 458, para uma crítica desta declaração) - mas antes separai sua animosidade como o joio dentre o grão, e intimidai os agitadores em disputa não dizendo 'Eu vos puno', mas 'Irei fazê-lo'. Submetei-vos à lei, oh Príncipe, pois fareis leis mais sábias se vós mesmos não desprezardes a lei. Sê mais reverente do que nunca aos Deuses; grandes são as dádivas que recebestes deles, e orai por grandes coisas (Isto foi antes de Vespasiano tornar-se Imperador). No que tange ao estado, agi como rei; no que tange a vós mesmos, agi como um homem comum" (v, 36).
E assim sempre do mesmo modo, dando bom conselho e demonstrando um profundo conhecimento dos assuntos humanos. E se vamos supor que se trata de mero exercício retórico de Filóstrato e não é baseado na substância do que Apolônio disse, então devemos ter uma opinião melhor do retórico do que o resto de seus escritos afiança.
Existe um diálogo Socrático extremamente interessante entre Tespésion, o abade da comunidade Gimosofista, e Apolônio, sobre os méritos relativos dos modos grego e egípcio de representar os Deuses. Segue-se algo como assim:
"Mas! Vamos imaginar", disse Tespésion, "que os Fídias e os Praxíteles foram ao céu e tiveram impressões das formas dos Deuses, e assim fizeram simulacros deles, ou foi outra coisa que os fez esculpí-los?"
"Sim, foi outra coisa", disse Apolônio, "algo prenhe de sabedoria".
"O que foi? Certamente não podeis dizer que foi algo além de mera imitação!"
"A imaginação os conduziu - um trabalho mais sábio que a imitação; pois a imitação somente apresenta o que foi visto, enquanto que a imaginação apresenta o que jamais foi contemplado, concebendo-o em relação à coisa que realmente existe".
A imaginação, diz Apolônio, é uma das mais poderosas faculdades, pois nos habilita a chegar mais perto das realidades. Geralmente se supõe que a escultura grega era meramente uma glorificação da beleza física, e bastante desespiritual em si mesma. Era uma idealização das formas e feições, membros e músculos, uma glorificação vazia do físico com nada é claro correspondendo a ela realmente na natureza das coisas. Mas Apolônio declarou que ela traz-nos para mais perto do real, como Pitágoras e Platão disseram antes dele, e como todos os sábios ensinaram. Ele queria dizer isto literalmente, e não vaga e fantasticamente. Ele declarou que os protótipos e idéias das coisas são as únicas realidades. Ele queria dizer que entre a imperfeição terrena e o mais excelso arquétipo divino de todas as coisas existiam graus de crescente perfeição. Queria dizer que dentro de cada homem existe uma forma da perfeição, embora é claro que ainda não absolutamente perfeita; que o anjo no homem, seu daimon, era de uma beleza divinal, o resumo de todos os mais finos traços que apresentou em suas muitas vidas na Terra. Os Deuses também pertencem ao mundo dos arquétipos, dos modelos, das perfeições, o mundo celeste. Os escultores gregos conseguiram entrar em contato com este mundo, e a faculdade que usaram foi a imaginação.
Esta idealização da forma era um modo digno de representar os Deuses; "mas", diz Apolônio, "se entronizardes um falcão ou uma coruja ou um cão em vossos templos, para representar Apolo ou Atena ou Hermes, podeis dignificar os animais, mas fareis os Deuses perder dignidade".
A isto Tespésion replicou que os egípcios não pretendiam dar nenhuma forma específica aos Deuses; eles lhes atribuíam meramente símbolos aos quais era associado um significado oculto.
"Sim", responde Apolônio, "mas o perigo é que as pessoas comuns adorem estes símbolos e concebam idéias deformadas sobre os Deuses. O melhor seria não ter representação alguma. Pois a mente do adorador pode formar e adequar para si uma imagem do objeto de sua adoração melhor do que qualquer arte".
"Certamente", contrafez Tespésion, e então acrescentou maliciosamente: "Havia um velho ateniense por aí - não tolo - chamado Sócrates, que jurava pelos cães e gansos como se fossem Deuses".
"Sim", replicou Apolônio, "ele não era tolo. Ele jurava por eles não como sendo Deuses, mas para evitar de jurar pelos Deuses" (iv, 19).
Esta é uma encantadora passagem de sagacidade, do egípcio contra o grego, mas todos estes diálogos podem ser considerados como sendo os exercícios retóricos de Filóstrato antes do que de Apolônio, que ensinava "como tendo autoridade", como se "de uma trípode". Apolônio, o sacerdote da religião universal, poderia ter apontado o lado bom e o lado ruim tanto da arte religiosa grega quanto da egípcia, e certamente ensinou o caminho mais elevado do culto desprovido de símbolos, mas ele não defenderia um culto popular contra um outro. No diálogo acima há um nítido preconceito contra o Egito e uma glorificação da Grécia, e isto ocorre de modo marcante em diversos outros diálogos. Filóstrato era um campeão da Grécia contra todas as outras terras; mas Apolônio, cremos, era mais sábio que seu biógrafo.
A despeito da roupagem literária que é posta sobre os discursos mais longos de Apolônio, eles contêm muitos nobres pensamentos, como podemos ver pelas seguintes citações das conversas de nosso filósofo com seu amigo Demétrio, que estava tentando dissuadí-lo de enfrentar Domiciano em Roma.
"A lei", disse Apolônio, "nos obriga a morrer pela liberdade, e a natureza ordena que morramos por nossos pais, nossos amigos, ou nossos filhos. Todos os homens estão ligados por estes deveres.
Mas um dever superior é imposto sobre o sábio; ele deve morrer por seus princípios e a verdade que defende mais cara que a vida. Não é a lei que lhe impõe a escolha, não é a natureza; é a força e coragem de sua própria alma. Mesmo que o fogo e a espada lhe aflijam, não sobrepujarão sua resolução ou o obrigarão à menor falsidade; mas ele guardará os segredos das vidas alheias e tudo o que lhe for confiado à honra tão religiosamente como os segredos da iniciação. E eu sei mais que os outros homens, pois sei que de tudo o que sei, algumas coisas são para o bom, outras para o sábio, outras para mim mesmo, outras para os Deuses, mas nada para os tiranos.
"Além disso, penso que um homem sábio não faz nada sozinho ou por si mesmo, e nenhum pensamento seu é secreto, pois ele mesmo é sua testemunha. E se o ditado famoso 'conhece-te a ti mesmo' é de Apolo ou de algum sábio que aprendeu a conhecer-se e proclamou-o como um bem para todos, penso que o homem sábio que conhece a si mesmo e traz seu espírito em constante camaradagem, para lutar à sua destra, não temerá o que o vulgo teme, nem condescenderá em fazer o que a maioria dos homens faz sem a menor vergonha" (vii, 15).
Nisto temos o verdadeiro desdém filosófico diante da morte, e também o calmo conhecimento do iniciado, do confortador e do conselheiro de outros, a quem os segredos de suas vidas foi confessado, e que nenhuma tortura poderia jamais extrair de seus lábios. Aqui, também, temos a plena percepção do que é consciência, da impossibilidade de ocultar o menor traço de mal no mundo interior; e ainda o fulgurante brilho de uma ética superior que faz a conduta habitual das massas parecer surpreendente - "o que eles fazem, e sem vergonha alguma".
(Fonte: Hermanubis)