CARTA A UM PROFANO
Por J. B. Willermoz
Carta a um candidato a admissão em uma Loja Rectificada.
(Conforme o original na Biblioteca Municipal de Lyon)
Caro Senhor,
Vós haveis me confiado vosso desejo de ser recebido maçom no regime específico que segue a Loja à qual o Senhor (...) está afiliado. O tempo não me foi suficiente para vos propor algumas reflexões e observações preliminares a esse respeito, mas como agora estou num momento mais favorável, aproveito para vos apresentar, convidando-vos a não ser precipitado em vossa resposta. Sinto-me muito honrado pela confiança que em mim depositastes, pela abertura que fizestes de vosso objectivo, e agirei conforme este sentimento e consideração especiais que vós me depositastes, assim como a todos que tem a honra de vos conhecer. Não duvido que os motivos que hão feito nascer este desejo num homem tanto honesto quanto prudente não deixam de ser muito honrosos, assim como duvido também que a Loja à qual devereis afiliar-vos, quando for o tempo, saberá bem apreciar e não falte à justiça que vos é devida. Limito-me então, caro senhor, a vos dar uma vaga ideia da instituição em geral, e do Regime específico ao qual desejai vos associar.
A origem e o objectivo essencial desta instituição são muito antigas e extremamente pouco conhecidas, sendo muito maior o número daqueles que levam o título de maçom, porque a maioria se satisfaz com o superficial, mas pouquíssimos procuram o âmago das coisas. Alguns desejam adquirir este título apenas para procurar, sob seu véu, alguns divertimentos misteriosos e amizades que, quase sempre, são tão pouco profundas quanto o gosto que os une; outros o desejam para realizarem juntos uma beneficência louvável e honrosa, que é o objectivo ostensível e geral da sociedade; por último, outros puderam pensar que uma instituição cuja origem primitiva perde-se na noite dos séculos, não pudesse existir e ter resistido a todos os choques se não estivesse sustentada por um objectivo fundamental e essencial para os homens de toda classe, idade e nação, tomando um desenvolvimento mais elevado, de modo que enquanto alguns rastejam no vestíbulo do Edifício, outros flutuam em seu tecto. Os desvios de alguns na sociedade civil degradaram a Sociedade mais respeitável aos olhos do povo, frequentemente imprudente e precipitado em seus julgamentos, porque fizeram a isso como se faz comumente à Religião, que sempre é confundida com a conduta desagradável de alguns ministros que lhe pertencem. Mas esta Sociedade tem nela uma força pura, que não foi e não pode ser degradada em sua essência, a qual continuará sempre muito respeitável. Desta diversidade de gostos deve resultar, durante o decurso desta instituição e mesmo no seu interior, Regimes diferentes, sendo uns com regras mais austeras, devido a que se aproximam do seu objectivo primitivo, do que outros que terão preferido continuar mais afastado de suas origens. Como se vê em algumas partes de certas ordens religiosas, por exemplo, que estabeleceram reformas específicas e mais severas, sem cessar contudo de pertencer à sua ordem primitiva, mas antes sim para aproximarem-se da sua origem primitiva.
Penso que esta exposição será suficiente para vos levar a examinar seriamente qual Regime melhor conviria aos vossos olhos e desejos, e eu não vos farei seguir um dever e um prazer indicando as portas do que ireis preferir. Aquele ao qual estou ligado (bem como o “Sr. De S...” sob a denominação de Regime Rectificado) não é o mais cômodo nem o menos exigente de todos, mas exige muito mais dos seus membros que os outros, deixa-os aguardar mais; tem seus espinhos, mas ferem apenas aqueles que o tocam com demasiada sensualidade, ou que, pela impaciência, quer colher antes do seu tempo. Eis, senhor, para ajudar em vossas reflexões, uma definição geral da Maçonaria no Regime Rectificado do qual vos falarei agora exclusivamente.
A Maçonaria é uma escola na qual o candidato é provado gradualmente para formar um homem moral, útil em toda a sociedade humana, onde a Providência Divina o colocou ou quis colocar, e que sob o véu de diversos símbolos ele forma emblemas e alegorias próprios a exercitar sua inteligência, conforme sua capacidade, cujo estudo é adocicado por alguns divertimentos sociais, honrosos e decentes, que são interessantes pelo salgado mistério que os acompanha. Forma-se ou fortifica-se assim, por um amor a uma prática constante dos deveres religiosos, morais e sociais, adquirindo o hábito desta virtude amável e suave, que agrada em todos os lugares onde se mostra desta maneira, mas que não pode merecer o nome de virtude, pois que é fundada sobre bases inquebrantáveis da religião cristã. Assim, embora a sociedade dos maçons não seja uma sociedade religiosa, pois toda controvérsia em matéria de religião e política é expressamente vedada em todas as assembleias, contudo os princípios maçônicos que a dirige estão intimamente ligados aos princípios fundamentais da Religião, sem os quais nenhum tipo de sociedade pode ser verdadeiramente útil. Desta forma, enquanto o corpo inteiro pode se tornar útil pela beneficência em relação à parte necessitada da humanidade, cada indivíduo que o compõe terá também uma vantagem real e inapreciável para toda sua vida, e mais, se souber avaliar o bem que a instituição pode fazer para si.
Eis, senhor, um rápido esboço geral da maçonaria. È um prazer vos apresentá-la tal qual a conheço, desejo que ela também vos seja agradável. Não propomos a ninguém ser recebido entre nós, e nisto diferimos muito dos outros, mas devemos alguns conselhos e esclarecimentos ao que se apresenta por sua própria vontade. Devemos lhe fazer entrever que a diligência que se propõe a fazer é muito mais importante do que se pode imaginar, para que possa reflectir comedidamente antes de pedir sua recepção. É conveniente crer em parte que se em algum momento de nossa história se tivesse agido desta forma, não haveria tido a necessidade de reforma, e a sociedade teria tido menos membros em seu seio que a desonrassem. Contudo, apesar destas precauções, há poucas Lojas, independente do Regime, que se possa felicitar, mesmo a respeito dos membros que são recebidos. Mas, senhor, se as forças concentradas da religião nada podem fazer sobre certos homens, que se deve esperar daquelas menos potentes de certas instituições? Alguém recém ingressado deve, por conseguinte, cobrir com a caridade universal os defeitos de uns e procurar nos outros os seus exemplos, pois em verdade vos posso dizer que os primeiros permanecem por muito tempo, senão toda a vida, no vestíbulo, mesmo sendo avançados em graus ou dignidades na instituição.
Se após esta explicação ainda persistes, senhor, na intenção que me haveis anunciado, devo vos fazer observar que não há nenhuma necessidade para um homem em ser recebido maçom, mas que é mais importante para um homem casado não fazer nenhuma escolha essencial que possa alterar a união em seu lar. Muitas mulheres têm um preconceito contra a maçonaria. Apesar de ser injusto, um homem sábio não deve enfrentá-lo. Entre as mulheres que amam seu cônjuge, há aquelas que a vêem o tempo que o marido destina à uma associação que lhes é estranha como a perda dos instantes de doçura de sua união. Temem, o que até pode ser aparentemente um bem, temor este presente apenas para que um divertimento qualquer não se torne causa da separação, prejudicial ao bem comum do lar. Ouso assegurar-vos que estes temores são sem fundamento, mas deve-se perdoar aquelas que são as primeiras vítimas dos seus preconceitos, devendo tratar isto com toda a prudência que a amizade sugere. O homem honesto que escolheu uma companheira deve tornar sua vida suave na medida da sua possibilidade, não semeando a amargura desnecessariamente. A felicidade existe só quando a buscamos em todos os lugares em que estamos. O verdadeiro maçom deve ser um sujeito fiel, bom marido, bom pai, bom amigo e por último deve ser qualquer outra coisa que lhe inspire o amor da virtude e doces deveres. Aí estão as suas características essenciais. Se não os têm, ou não os adquire, corre grande risco de desonrar a sociedade se desonrando a si mesmo. Senhor, tens a felicidade de estar unido a uma esposa também respeitável e amável, e creio que antes de tomar qualquer compromisso a esse respeito, ser-vos-ia prudente assegurar-vos das disposições dela contra isso. Se ela recusar, suspenda as vossas decisões, esperando um momento mais propício. Não procure arrancar um consentimento que poderia tirar a tranquilidade de uma alma honesta cheia de amizade e dirigida pela confiança. Quando fordes recebido na instituição, redobra vossa ligação, com cuidados e virtudes. Provar-lhe-á que a instituição é útil de mais de uma maneira, e que seu consentimento foi vantajoso. Se ao contrário, como penso segundo as ideias que concebi da maneira de pensar e do carácter de vossa esposa, quem me parece estar acima dos preconceitos desta natureza, ela não sendo contrária ao vosso desejo, podereis me comunicar o resultado das vossas próprias reflexões, sendo que esperarei para instruí-lo na proposição dos escrutínios usuais neste caso.
Eu vos solicito, senhor, de não dar publicidade desta carta que uma estima particular ditou, por medo que se ela chegue ao conhecimento de algum maçom, não fira, contra minha vontade, aqueles que poderiam se reconhecer em algumas das descrições feitas.
Sem comentários:
Enviar um comentário