domingo, 10 de abril de 2011
"Dante e Beatriz"
«Entre Dante [Alighieri], fiel do Amor, e Beatriz [Beatrice], sua Dama inspiradora, existe uma relação de almas irmãs (almas gémeas) que se entendem perfeitamente, falam a mesma linguagem, pertencem à mesma casta, e à mesma paróquia da mesma cidade (tudo isto se deve entender num sentido simbólico).
E mesmo quando Beatriz morre e "sobre aos céus", leva consigo a missão que Dante lhe atribui na "Divina Comédia": conduzir o seu "espírito-irmão" através do caminho que "conduz às estrelas".
Beatriz morre e Dante sente essa morte como se fosse a sua própria morte - nessa altura ele vive a temível prova da "morte iniciática": Dante morre com Beatriz para a sua vida anterior e renasce seguidamente, com ela, para uma "vida nova" - e por isso ele escreve "Vita Nuova", obra efectivamente inspirada pela morte de Beatriz e apresentando carácter iniciático incontestável.
Nesse livro admirável, Dante revela que Beatriz é "a gloriosa dama dos meus pensamentos, a que muitos chama Beatriz, na ignorância de qual fosse o verdadeiro nome"; "quem quisesse prensar subtilmente chamaria Amor a Beatriz".
[...] Dante veste-a com três cores fundamentais, e riquíssimas do ponto de vista simbólico: branco, verde e vermelho - as três cores litúrgicas principais [...].
Beatriz tem ainda um simbolismo numérico: o seu número é o nove. "Um dia, quase na hora nona", Dante julga ver Beatriz e escreve: "Se três é por si mesmo factor de nove, e se, por outro lado, o factor por si mesmo dos milagres é três, isto é, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que são três e um, foi minha amada acompanhada pelo número nove para dar a entender que ela era um nove, ou seja, um milagre, cuja raiz é somente a Santíssima Trindade".
Na "Vita Nuova", que é realmente o relato da conquista de uma nova vida, depois de um segundo nascimento (iniciático), Dante conta-nos que viu Beatriz aos nove anos de idade e depois aos dezoito, sendo saudado por Beatriz à nona hora desse dia. [...] "Uma das razões porque o dito número é tão seu amigo poderia ser a de que, segundo Ptolomeu e a verdade cristã, são nove os céus que se movem (...) pelo que a fidelidade do número nove significaria que na sua geração estavam os nove céus em perfeitíssima harmonia" escreve. E acrescenta: "Foi esse número ela mesma - por semelhança, tal como a entendo."
Se nove é, na verdade, o número de Beatriz, noventa e nove, número cíclico, familiar aos pitagóricos (o ano délfico tinha noventa e nove meses) é comum a Dante e ao seu mestre Virgílio: a "Divina Comédia" tinha noventa e nove cantos, enquanto o número de versos da "Eneida" ronda os nove mil e novecentos; o clímax desta última obra é dada nos primeiros 6300 versos; ora, é no canto 63.º da "Divina Comédia" que Dante faz aparecer Beatriz no carro triunfal da Igreja. Somemos 63 com 36 e teremos 99 [qualquer um destes três números quando sujeitos à adição teosófica obteremos o número 9]... Além disso, 63 divide o total de 99 segundo a relação 11/7 que tem valor capital na simbólica pitágorica [...].»
António Carlos Carvalho
in Prefácio do "Esoterismo de Dante" - René Guénon
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