«Sei que despertei e que ainda durmo. O meu corpo antigo, moído de eu viver diz-me que é cedo ainda… Sinto-me febril de longe. Peso-me, não sei porquê…Num torpor lúcido, pesadamente incorpóreo, estagno, entre o sono e a vigília, num sonho que é uma sombra de sonhar. Minha atenção bóia entre dois mundos e vê cegamente a profundeza de um mar e a profundeza de um céu; e estas profundezas interpenetram-se, misturam-se, e eu não sei onde estou nem o que sonho.Um vento de sombras sopra cinzas de propósitos mortos sobre o que eu sou de desperto. Caio de um firmamento desconhecido um orvalho morno de tédio. Uma grande angústia inerte manuseia-me a alma por dentro e, incerta, altera-me, como a brisa aos perfis das copas.Na alcova mórbida e morna a antemanhã de lá fora é apenas um hálito de penumbra. Sou todo confusão quieta… para que há-de um dia raiar?...Custa-me o saber que ele raiará, como se fosse um esforço meu que houvesse de o fazer aparecer.Com uma lentidão confusa acalmo. Entorpeço-me. Bóio no ar, entre velar e dormir, e uma outra espécie de realidade surge, e eu em meio dela, não sei de que onde que não é este…»
Bernardo Soares
in "Livro do Desassossego"
segunda-feira, 13 de junho de 2011
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário